33. May

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15 DIAS ANTES DOS CRIMES

06/02/17 – segunda-feira, 8h27

Agora, com todo o caso do sequestro abafado e precocemente resolvido, o dilema principal de May girava em torno de aventuras extraconjugais do seu super-herói, na verdade, girava em torno de descobrir o que ele estava aprontando.

Vidrada, encarando a tela do computador, vendo os dois no almoxarifado, a pergunta ainda pairava sobre sua cabeça: "Vai pedir para que Nicolas dê o fora para você se atracar com a vagabunda?"

Será que May, ao descobrir a verdade, sentiria-se uma péssima investigadora? Seria obrigada a entregar seu distintivo imaginário e demitir-se da "Corporação das Esposas Espiãs" de cabeça baixa?

Viu Norberto virando a cabeça para lá e para cá, como que para verificar se estava vindo alguém, e quando constatou que não, simplesmente havia chegado perto de Nicolas e beijado a boca do rapaz.

Seu cérebro deu um nó.

E o nó ficou mais apertado quando Nicolas sorriu e encheu a mão no "pacote" de Norberto.

A vertigem a atingiu sem delicadeza.

Norberto está...? Norberto mordeu...? Norberto mordeu o pescoço de Nicolas?

May não sabia que até sua mente gaguejava. Odiou a novidade. Entretanto, estava odiando mais ainda o que se passava diante da tela.

É isso que eu estou vendo ou fiquei louca de vez?

E a voz imaginária, inimiga antiga sua, respondeu:

Sim, querida! Foi isso mesmo. Um belo beijo na boca e uma pegada no saco. Está bom para você?

Seu estômago embrulhou, chegou até a roncar. May sentiu o gosto do vômito "cafeinado" na boca, esforçou-se em engolir, e quase não conseguiu devolver a baba gosmenta de volta aos confins do estômago vazio.

O mal-estar não foi capaz de desviar sua atenção da tela, mantinha-se hipnotizada. Observou os dois conversando e, entre uma frase e outra: breves amassos.

Seu maxilar parecia não fazer parte de seu próprio corpo, ela tentava enviar comando cerebrais, mas ele continuava aberto e fremente.

May se tornou uma estátua de si mesma; se tivesse uma plaquinha de metal perto dela para que os visitantes pudessem ver sobre a obra de arte, leriam: "A Incredulidade da Detetive Traída — Fundada em 06 de fevereiro de 2017. E afundada nesta mesma data".

Os cinco minutos de conversa que se estendeu entre os dois amantes permitiu que ela entendesse tudo de maneira clara e desfizesse o nó no cérebro. De repente, tudo passou a fazer sentido.

O aumento de salário de Nicolas!

O vigor de Norberto ao voltar da PAPGRAF!

ALMOXARIFADO!

Um soco na mesa.

Nicolas é tão traidor quanto Norberto! Espiral confusa de pensamentos. Não, não, não! Não posso embaralhar tudo de novo na minha cabeça! Vamos lá, pense! Respirou fundo. Mas... Como é que aquele moleque desgraçado sabia disso?

Não dando tempo ao narrador hipotético de sua história, ela emendou o pensamento:

É claro! Por isso Micael havia falado algo sobre não poder ir até a editora! Ele conhece Nicolas, pode ser amigo dele, ou até mesmo... Ah! Que ódio de Nicolas, meu Deus! Debaixo do meu nariz!

A cara dela endureceu e a deixou com um aspecto sombrio.As rugas tornaram-se mais visíveis. Se ela fosse uma gigante, a tremedeira em seu corpo causaria um abalo sísmico no bairro.

E a cena desgostosa não findou por aí.

May viu Nicolas entregar alguma coisa para Norberto. Ela estreitou os olhos, como se isso fosse ajudá-la a enxergar melhor. Conseguiu definir que se tratava de um um objeto pequeno, claro, brilhante... talvez: prateado.

O que é isso? — Como se o objeto tivesse se tornado a coisa mais intrigante.

Eles pareciam discutir sobre algo, estavam combinando algo; ela não tinha certeza. Norberto estava sério, gesticulava segurando... É uma chave!

— Nicolas está entregando a chave da casa dele para Norberto! — esbravejou ela para o nada.

E a vozinha: Nicolas não está entregando apenas a chave, está entregando muito mais... May, que sempre fora uma pessoa séria, assertiva e controlada, descontou toda a fúria na sua xícara.

A mancha de café se espalhou pelo carpete, dedurando seu descontrole. O negrume precisava ser limpado; daria bastante trabalho, assim como seria difícil de catar todos os caquinhos da xícara espalhados pelo escritório. Só que na verdade, a sujeira mais difícil de ser limpada não tinha nada a ver com café nem cacos de porcelana.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora