35. May

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DIA DOS CRIMES

21/02/17 - terça-feira, 18h30

Norberto e May chegaram ao apartamento, ambos estressados. Ele, por causa do trabalho. Ela, por causa do trabalho, e dele. Não disseram uma só palavra desde que entraram no carro.

Ele jogou a maleta com certa violência no sofá e ela lançou sua bolsa numa poltrona.

- Ok, está na hora de desembuchar tudo! - disse ele, estacionado na sala com as mãos na cintura.

Ela interrompeu seu percurso até a cozinha, deu meia-volta e o olhou nos olhos dele. Respirou profundamente e, sabendo que não poderia mais adiar aquilo, pois havia chegado a hora da verdade, rebateu:

- É você quem deveria desembuchar alguma coisa! - Cruzou os braços na tentativa de disfarçar o tremor deles.

- Está fazendo um de seus joguinhos? Sério isso? Aderiu aos joguinhos medíocres de mulherzinha?

Apesar do ódio que subiu e se alojou em seu peito, May deu risada; depois, cravou seus saltos no chão e, exibindo sua melhor pose, como se estivesse prestes a ser fotografada para uma revista que publicaria algum artigo sobre empreendedorismo feminino, ela jogou tudo para fora, rápido demais para não titubear e acabar se engasgando com as palavras:

- Eu sei que você me trai, Norberto!

O silêncio se demorou por quase um minuto. Ele não vai dizer nada? Quando ele resolveu falar, May começou a chorar, porque sabia que nada que ouvisse dele faria a realidade ser outra, afinal, ela possuía as provas da traição.

Norberto calou-se novamente, tornando a traição mais real e próxima que nunca. Ele mordia o lábio superior, talvez com intuito de oprimir respostas mentirosas e/ou descarregar sua coleção de palavrões sobre dela.

De longe, os dois pareciam até dois adolescentes discutindo por ciúmes, no entanto, estava longe de aquilo ser apenas uma ceninha ciumenta, aliás, May nem sentira ciúmes ao descobrir que Norberto trepava com Nicolas; ela sentia mesmo, desde então, alguma coisa indefinida, mas tangenciava a repugnância. Talvez o preconceito tivesse liquidado qualquer pensamento ciumento.

Como vocês dois puderam fazer isso comigo, seus nojentos!

Depois dos gritos, choros, lamentações, mãos-na-cintura, palavrões (sim, palavrões aos montes) e pequenos sacolejos dados por Norberto, como se May fosse uma menininha rebelde na mão de um maníaco pedófilo, a coisa começou a esquentar.

- Me larga! Está me machucando!

May jamais imaginou sofrer violência doméstica... Não aconteceu em câmera lenta como nos filmes, foi rápido, certeiro e doloroso. Norberto desferiu um golpe; o murro acertou o olho direito dela. May cambaleou para trás por causa do impacto.

Norberto chegou a cuspir ao gritar: "Cala a boca, porra!"

May obedeceu: calou-se.

Os gritos cessaram.

O choro também findou.

O silêncio se instalou entre agressor e agredida.

Apenas as lágrimas continuavam a rolar pelas bochechas da mulher.

Os cabelos dela estavam desgrenhados. Os dele nem tanto.

O olhar de May endureceu-se sobre o novo homem que surgiu ali, na sua frente. Ela sentiu medo do marido pela primeira vez desde que o conhecera.

Era o fim. Tudo estava acabado. Nenhum dos dois precisava proferir isso, a cena por si só já dava a certeza a eles. O silêncio perdurou.

Era a vez de quem falar?

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora