20. Norberto

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6 MESES ANTES DOS CRIMES

A faca desceu, fazendo o primeiro arco bem aberto, e os demais, mais fechados e mais intensos e rápidos. O vermelho ia se espalhando na madeira, e pequenos pedaços pegajosos escorria. O tomate sangrava na tábua.

Como um mestre cuca, Norberto afastou com a lateral da faca afiada os cubinhos do tomate e os juntou aos pedacinhos de pimentão, já picados e no jeito. Numa cumbuquinha de vidro transparente, jaziam, picotadas, folhinhas de cheiro-verde.

Pegou um saco ao seu lado contendo o ingrediente principal, responsável pelo glamour da obra artesanal comestiva: camarão. Ele rasgou a embalagem com uma facada certeira. Os camarões mergulharam num pirex. Salpicou o sal, mexeu com as mãos e deixou descansar um pouco.

Norberto cortou três limões ao meio, e munido de mãos fortes e veiúdas, espremeu num potinho menor. Os limões deram um bom caldo. Reservou o suco.

Posicionou-se diante à torneira e lavou as mãos, livrando-se da acidez e azedume.

Neste meio tempo, secando as mãos num guardanapo de pano, ele mirou o relógio de parede e calculou, mais ou menos, quanto tempo ainda teria para finalizar o jantar.

Tinha tempo suficiente, concluiu.

Bateu as mãos no avental, como quem sacode areia da roupa e despejou algumas xícaras de arroz especial (próprio para a receita) numa grande frigideira funda, que já continha alho picado e frito.

Usou a colher de pau para mexer e espalhar.

O arroz chiou.

Quando achou que o arroz estava frito o bastante, Norberto apanhou uma jarra de vidro já predisposta, e despejou água na panela.

O chiado ganhou vida, mas logo silenciou-se.

Colocou água na medida que considerava ideal: dois dedos acima dos grãos de arroz.

Pronto, agora era só esperar um pouco.

Olhou para a bancada no meio da cozinha, repleta de condimentos e ingredientes, e sorriu, orgulhoso. Fazia um dos pratos mais queridos por May.

Tudo já estava meio engatilhado. Pegou o celular e mandou uma mensagem para ela.

"Vc vai adorar o que estou fazendo pro jantar"

Enviou a mensagem com um emoji sorrindo.

Um minuto se passou e May não havia respondido.

Deixou o celular de lado e se concentrou nos aromas.

Passados uns cinco minutos, Norberto verificou a panela do arroz. Adicionou só um pouquinho de sal, já que o molho de camarão levava um cubo de caldo de camarão.

Sódio demais!

Norberto diminuiu o fogo do arroz e, quando a água secou, ele desligou, e deixou o arroz descansar. Sem tampa! Era importante! Pois, se mantivesse a tampa fechada, o arroz poderia cozinhar no vapor e acabar passando do ponto no qual deveria ficar.

Verificou, só curioso, o que May tinha respondido.

Constatou que ela não tinha respondido.

Deve estar tão concentrada!

Seus olhos desviaram, quase sem sua permissão, para o relógio novamente (sem necessidade alguma, pois já tinha visto as horas no visor do celular). Querendo não se preocupar à toa, ele resolveu se dedicar aos camarões.

Norberto levou outra frigideira ao fogão todo moderno: plano, de vidro especial, que cozinhava magicamente (por indução), sem chamas. Nela, depositou um fio generoso de azeite de oliva e uma colher bem cheia de manteiga para dourar os pedacinhos de alho.

Junto ao chiado, subiu o cheiro inigualável de alho frito. Inebriante. Melhorou mais ainda quando Norberto acrescentou os camarões naquele caldinho borbulhante.

Com outra colher de pau, maior, ele mexeu os camarões até que ficassem todos besuntados com a mistura de manteiga e azeite.

O suco de limão, estaria por vir.

Mas antes...

"Começa com RI e termina com SOTO, kkkkkkkk"

Clicou em Enviar.

Os camarões chamaram por ele antes que May respondesse.

Eram os camarões chamando de um lado, e May clamando do outro.

Concentrou-se para não deixar queimar nada.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora