Normal? Se fosse para comparar bem, Gabizinha poderia ser considerada mais atraente que ela própria, pois a moça ainda contava com a jovialidade. Portanto, se Gabizinha era "normal", onde era que May se encaixava na escala de beleza que ela mesma havia padronizado? Isso explicaria o sexo papai-e-mamãe quatro vezes por mês? Perguntou-se também sobre quantas vezes por semana Norberto foderia com Gabriele, e a resposta veio rápida, quase matemática: Mais vezes do que com você!

O mundo dela continuava oscilando. Seguiu: Isis, também revisora e copidesque. Ficha profissional invejável. May tinha sorte de tê-la no time porque ela fazia milagres nos originais... Será que fazia milagres dentro de um carro também? Mesmo carregada de malícia, May falhou em focar nela porque Laura desfilava para lá e para cá no escritório, sempre sorrindo, com a boca cheia de dentes brancos e destacada com batom vermelho-biscate. Falou sozinha:

— Não me atrapalhe, Laura! Saia da frente, ainda preciso analisar... — Patrícia, a preparadora de texto: gordinha e branca como papel sulfite, a "Vampira-das-revisões", pois era um verdadeiro terror para os autores iniciantes, a Chata-das-revisões, tão intransigente quanto uma pedra insistindo em ser uma pedra. May a descartou logo porque não dava para fugir: Laura era a candidata a Bitch Number One, as outras ficavam no chinelo.

Depois da caça às bruxas, May concluiu:

Rita: não;

Pâmela: não;

Patrícia: também não;

Gabizinha: quem sabe?

Letícia: — Não pensei em Letícia!

Letícia, a ruivinha da recepção da editora, a sardentinha. A garota da cara de leite-azedo. Magrinha, pequenininha, tudo "inha", e muito jovem. E se Norberto, de repente, quisesse uma garotinha cheirando a leite ─ mesmo que o leite estivesse azedo?

Recobrou a lógica: É Laura! Norberto está trepando com a piranha-preta, só pode!

— Ei, May! Estou entrando — disse Rodrigo, o agente literário, interrompendo os devaneios dela. — Está viajando, é? Faz tempo que você está que nem uma estátua.

— Deixa de brincadeira. E aí, como foi lá? — perguntou May, e antes que ele se sentasse, ela disse: — Espere, vou buscar copo d'água.

— Eu vou com você. — Rodrigo a seguiu até a copa, todo elegante dentro da camisa social perfeitamente ajustada ao seu corpo. — Acho que vou tomar Coca. — Ele abriu o frigobar que ficava próximo ao chão. Ao levantar a cabeça, já com a lata na mão ele encarou a bunda que passava ali perto; hipnotizado. Até que Laura passou pela porta que desembocava no almoxarifado e sumiu. — Eita nóis — disse ele, babão, junto com o chiado da lata sendo aberta.

— Quer fazer o favor de parar? — repreendeu May, de braços cruzados, lançando o olhar duro sobre ele.

— O que foi? Só estou apreciando o conjunto da obra. E não é de mim que você tem que cuidar. Não sou seu marido. — Rodrigo encheu a boca de Coca. Nesta hora, May lhe deu um safanão no ombro. — Eita, porra! O que foi isso, doida?

— Por que você disse o que disse, Rodrigo? Explique!

— Ora essa — começou ele, limpando a barba com papel toalha. — Eu falei que não sou seu marido. Tem que se importar com ele, não comigo. Sou um homem livre, esqueceu? Posso admirar o quanto eu quiser.

— Disso eu sei! — May se exaltou. Depois se ajeitou na própria roupa, recuperando sua compostura. — Somos mulheres e não um pedaço de carne. Deixe a bunda dela em paz! Ok? — Como ela queria gritar isso na cara do marido.

— Qual bicho mordeu você hoje, heim?

— Nenhum — rebateu ela. — Cuide da sua vida. Está bem? Nada de ficar secando minhas funcionárias. — E revirou os olhos em desaprovação.

— Beleza, mas não precisava me banhar de refrigerante. Se bem que entendo o ciúmes. — May olhou surpresa para ele, porém, não disse nada, esperou que Rodrigo terminasse mais um gole do líquido gasoso. — Norberto já te falou que levaria Laura com ele para a PAPGRAF. Acertei?

Segundos de silêncio.

— Ele falou o quê? Ele falou que levaria Laura? Quando ele...? Ele disse isso para você? Norberto deveria combinar comigo primeiro.

— Calma, ele só comentou. — Rodrigo diminuiu o tom da brincadeira na voz. — Está preocupada com alguma coisa? Relaxa, ele acabou de me contar lá na sala dele. E não sei o motivo de tamanho espanto, até porque ele mesmo me disse que já tinha conversado com você sobre isso.

— Sim, ele conversou. Disse que queria que eu selecionasse alguém para acompanhá-lo na PAPGRAF, mas pelo jeito ele já selecionou ela antes.

— Ah, sério que vai bancar a ciumenta agora?

— Rodrigo, sou sua "chefe"! Me respeite!

Ele deu risada do chilique dela.

A porta do almoxarifado, que ligava a gráfica à editora, se abriu e dela irrompeu Laura, Nicolas e o canalha: Norberto. Os três se aproximavam da copa, rindo de alguma piada.

— Fica fria, "chefa", se Norberto te trair, eu mato ele por você. — E riu feito um adolescente, sorvendo mais xarope açucarado com bolhas gasosas. — Mato ela também, se quiser.

— Cale a boca, idiota! — mandou May, pondo a mão sobre a barriga e a massageando de leve.

Espero que ele não tenha falado sério, porque estou a ponto de mandar fazer uma besteira!

— Não vai beber a água, May? — perguntou ele, baixinho, provocando-a.

Ela se apressou para encher um copo descartável e, quando os três chegaram na entrada da copa, ela disse: — Ainda bem que estão em grupo! Eu estava falando com Rodrigo sobre a PAPGRAF e ele também concorda que seria melhor mandar Nicolas acompanhar você, querido. — Jogou a frase no ar para ler a reação dele.

Norberto lançou um olhar ameaçador para Rodrigo. Há tempos ela havia notado certa rixa entre os dois, mesmo que eles tenham protagonizado papéis de heróis juntos no seu resgate há meses. Rodrigo nunca havia enfrentado Norberto, mantinha-se sempre passivo às piadinhas sem graça do patrão, revelando medo. May interpretou essa "olhada" como: "Norberto não gostou da sugestão".

— O sr. Norberto tinha acabado de me perguntar se eu gostaria de ir...

— Precisaremos de você aqui, Laura, de plantão. Acertaremos juntas as últimas pendências que acabaram de surgir sobre o lançamento do Mortes Convergentes. — Ótimo, agora May precisava inventar pendências! Que seja, arranjaria algo para ela fazer, agiria como uma vilã ardilosa de novela mexicana atrapalhando os planinhos do marido.

— Tem certeza, May? — perguntou o assustado Nicolas por detrás das grandes lentes dos óculos nerd.

— Sim, tenho. Você é o mais envolvido nos assuntos da PAPGRAF deste ano, conforme Norberto havia comentado comigo. Não é, amor?

— Aham. É. Pode ser — concordou ele, pigarreando e fitando Rodrigo. — Bom, todo mundo aqui já almoçou? Porque eu estou indo agora. — De repente, a sala do café era pequena demais para tanto climão. — Vamos todos?

Antes de deixarem a editora rumo ao almoço tardio, Rodrigo aproximou-se de May enquanto ela pendurava a bolsa no ombro, e sussurrou:

— Quer que eu mate quem primeiro?

— Chega desse tipo de brincadeirinhas, Rodrigo. Já deu! — respondeu ela, rindo, ao vê-lo gargalhar. Entretanto, sua mente cheia de desconfiança e maldade, respondeu: Mate primeiro a vagabunda, e depois o filhodaputa.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Where stories live. Discover now