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4 de outubro de 2012

Londres, Inglaterra –Reino Unido

Eu sei que quanto longe eu for
Quanto mais eu tentar, só manterá meus olhos fechados

Em frente a porta do seu apartamento, Jack parou. Lentamente, ele deixou sua bolsa cair sobre o chão, o ar escapulindo como um pequeno baque quando o tecido tocou o piso. Com um suspiro baixo, porque ainda não queria ser notado, encarou a madeira pintada de verde, o número dourado na porta, com um puxador para bater que era inútil não pela campainha ao lado, mas pelo fato de que Jack nunca recebia visitas. Sua vizinha, a velha Sra. Bloom, que fez com que Jack começasse a cultivar um pequeno jardim no terraço e, aos fins de tarde, carregasse-a no colo escadas acima apenas para que, sem silêncio completo, os dois assistissem o pôr do sol, está escutando Gianni Morandi no mesmo volume intermediário de sempre. Talvez esteja cantarolando baixo, fazendo biscoitos de hortelã e chocolate cujo cheiro sempre chega a sala de Jack. Por uma única vez, numa experiência que foi estranhamente assustadora e reconfortante, pouco depois de terminar o primeiro round com as plantas, anos antes, Jack se sentou na cozinha dela e assistiu os biscoitos serem feitos, enquanto sra. Bloom contava uma história que ele já não se lembra mais e lhe servia café.

Por cima do ombro, Jack olha para a porta do outro apartamento, o som de Morandi subindo algumas oitavas no refrão e, logo em seguida, voltando a descer. Depois, volta a encarar sua própria porta. Primeiro, escuta Baloo resmungar — é um tipo de som que Jack não consegue definir bem e nem nomear direito, mas que, em todas as vezes, faz com ele pense que seu cachorro é mais humano do que o aparente. E depois, fazendo seu estômago se embrulhar pela ansiedade súbita, forte, misturada a empolgação que pressiona suas costelas ainda em cicatrização, ele escuta a risada dela. O som animado, tão vibrante quanto cheio de vida, consegue cruzar a madeira da porta e cada pedaço de concreto que o separa dela. Baloo resmunga novamente e, dessa vez, no meio das risadas, ele ganha uma resposta bem-humorada.

O braço de Jack se levanta de forma automática, o cotovelo se dobrando, a mão na altura exata da maçaneta e seus dedos tremulando rumo a ela. Então, enquanto mais uma gargalhada de Charlie faz a madeira vibrar de forma quase realista e faz cada célula de Jack tremer, a voz dela em tom infantil perguntando para Baloo se ele está satisfeito, Jack apenas para. A mão dele paralisa, seus dedos esticados a poucos centímetros de tocar o metal. Jack acha que eles estão tremendo de verdade agora e não tem certeza do motivo.

De forma automática, questiona a si mesmo: o que eu vou dizer? Qual a história Jack vai contar para justificar suas olheiras fundas ou a preocupação estampada por cada centímetro do rosto? Talvez outra pessoa não perceberia ou aceitasse uma desculpa tola e fugaz, mas Charlie? Jack tem plena consciência de que é mais transparência com ela do que foi com qualquer um nos últimos anos. Dalton, que, na última seção precisou aguentar mais de meia hora de silêncio completo, sentiria-se frustrado se soubesse disso e Jack acha um cenário até divertido. Em algumas horas ao lado de Charlie, ele pode falar mais do que em meses de convívio direto com um grupo maior de pessoas.

Foi fácil para Jack — ao menos em sua mente — dizer para o psicólogo que estava bem com a situação com Xavier, que só precisaria de tempo para lidar com isso, como lidou antes, quando outros de seus amigos morreram. E Dalton deve ter acreditado o bastante porque o relatório enviado para O'Riley, como sempre, deu um aval positivo. Jack não entende como sempre consegue isso; ele não acha que Dalton seja um médico ruim, ao contrário, e por isso fica constantemente confuso. Gosta de acreditar que o fato dele ir, de indicar que está tentando, mesmo que seja forçado, basta para o psicólogo. Depois de se convencer disso, Jack não se estende mais em questionamentos. Faz com que o relacionamento deles dois seja estável.

O silêncio das estrelas [CONCLUÍDA]Where stories live. Discover now