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20 de dezembro de 2013

Brighton, Inglaterra – Reino Unido

A caixa branca encaixa na mão de Jack, retangular e pequena o bastante para caber ali, está aberta e isso já faz um bom tempo. Caso ele puxe a cartela metalizada, vai encontrar, além do amassado causado pela pressão dos dedos dele, dois espaços vagos, com o plástico de proteção fundo. Jack está decidindo se deve ou não encaixar isso no suéter que falta para ser posto na sua mala enquanto Charlie está no primeiro andar, terminando de separar e verificar se tudo que eles precisam para a viagem foi feito. É pouco tempo antes que ela suba e o apresse. Baloo, ocupado garantindo que Charlie não vá esquecer nada, em especial algo que pertença a ele, pode subir as escadas a qualquer momento. Isso significa que Jack e seu segredo sujo — talvez um dos únicos que, nessa altura, reste — não tem muito tempo para tomar uma decisão.

Faz uma semana desde a última consulta de Jack e, caso ele não tenha feito nenhuma conta errado e não haja nenhum tipo de alteração inesperada, o retorno será só dia 10 de janeiro. São quatro semanas de folga e, contrariando a todas as expectativas, incluindo o que ele próprio supunha sobre si mesmo, Jack não tem certeza se tem estrutura para lidar, por conta própria, com um período tão longo. Tem medo de regressar para o estágio inicial. E, tão assustador quanto isso, tem medo de fazê-lo no meio da família de Charlie ou dos amigos. Jack não tem certeza de qual dos cenários seria o pior e nem qual o deixa tão mais receoso que, depois de fazer com que reconsiderasse a ida, pegasse a caixa de Valium. Hart lhe disse que, caso ele quisesse, caso houvesse uma urgência, ele poderia telefonar para ela, mas Jack não quer ser inoportuno e atrapalhar o feriado; ele sabe que, entre silêncio e altas doses de ironia, a mistura que rege cada uma das sessões, não tem sido o paciente mais fácil dele. Além disso, o encontro com os pais de Charlie foi um tópico que discutiram na última consulta e a conclusão final é que o receio dele era compreensível e que Jack não deveria se cobrar mais do que o devido. Na hora, pareceu fácil. No sábado, com todo o movimento para a viagem, ele se tornou uma pilha de nervos e conseguiu manter o mínimo de controle até a quinta, quando, depois de ser mantido insone por pesadelos e a ansiedade, tirou o segundo comprimido da cartela.

Agora, Jack está dividido entre o que ele acha que deve fazer, o que acha que precisa e o que realmente deve e precisa. Só houve uma consulta em que ele e Hart conversaram sobre medicamentos e uma ida ao psiquiatra. Ele não via problemas em nenhum dos dois e não criou qualquer tipo de oposição. Conhecia um psiquiatra e poderia recomendar. No entanto, Hart parecia calcular cada movimento com bastante atenção quando o assunto era Jack. O fato dele não ser muito aberto também tornava o processo significativamente mais lento. Saber, com um alto grau de certeza que precisava falar, não era incentivo o bastante para que enfrentasse todos os demônios e fantasmas, tanto os soltos quanto aqueles ainda presos. Ele ainda não tinha nenhum diagnóstico oficial, tinha só um bloco cheio de anotações que o faziam, com frequência, sentir-se desconfortável. Havia um crescimento mínimo da confiança dele em fazer aquilo, de modo que Jack poderia falar por um período de tempo maior e ser mais honesto. No entanto, está longe de dar uma quantidade necessária de informações, de ser aberto o bastante e Jack entendia que tinha responsabilidade sobre o limbo em que esta.

No geral, acha que tem se saído bem. Ele sabe que está muito, muito longe de estar bem de fato. No entanto, agora consegue ter um mínimo de vida social e uma rotina, o que já é contrastante com a realidade de meses atrás, quando ele apenas andava pelos cômodos da casa, como um fantasma. Jack também ainda não se livrou da hipervigilância e abaixar a guarda é uma dificuldade constante. Ele ainda procura pela arma durante as madrugadas ou antes de sair com Charlie, momentaneamente esquecido que ela foi descartada tem tempo e que, apesar da sensação de estarem desprotegidos, ele não comprou outra. Ciente de que, com o encerramento de 2013, a Delta possa ser reintegra em breve, Jack tem treinado cada vez mais pesado. O efeito disso é que ele tem comido mais e melhor, o que fez com que recuperasse o peso perdido. O cansaço residual também faz com que ele tenha uma noite de sono ligeiramente melhor, embora não afaste os pesadelos. Madrugada após madrugada, ele e Charlie sempre acordam, mas Jack acha que até isso tem sido um pouco mais fácil agora que ele se permite, apesar de toda a dificuldade intrínseca, ser um pouco mais honesto sobre o modo como se sente. Jack não comentou isso com ninguém, nem mesmo com Hart, mas tem certeza que sua energia está aumentando. Ele não acha que tenha tanta correlação com a terapia e nem todas as mudanças em sua vida; acha que é só aquele momento que, como uma força da natureza, espontânea, não prevista, ela começa a crescer. A razão de ter mantido em segredo até o momento é quer ter certeza do que é e de quanto vai durar. Talvez seja só uma oscilação momentânea.

O silêncio das estrelas [CONCLUÍDA]Where stories live. Discover now