51.

570 64 162
                                    


Aviso: o capítulo a seguir narra ações, posturas e pensamentos afetados por transtornos psicológicos. Nenhum destes deve ser romantizado ou simplificado e nem usado como justificativa para toxicidade de certos comportamentos, embora seja necessário lembrar que isso, bem como a recusa por ajuda, tem impacto direto sobre o comportamento do personagem. O capítulo também pode ter gatilhos relacionado a depressão e, caso não se sinta confortável ou bem com a leitura, pare o quanto antes. Entrando em contato comigo pelo direct, eu passo um breve resumo do que houve e de forma mais direta

----------------------------------------------------------------------------------------------------

12 de setembro de 2013

Brighton, Inglaterra – Reino Unido


Jack não poderia ter se preparado para o quão difícil e constrangedor seria encarar Charlie. Ele sempre achou que tinha o mínimo de capacidade de preparo para situações complicadas e sabe que isso tem mais relação com o trabalho do que com qualquer tipo de habilidade pessoal que possa ter desenvolvido. Exceto o pessimismo. Isso com certeza ajuda porque Jack, de modo muito natural, prepara-se para o pior dos cenários. Quando ele precisa lidar com a realidade, ela tende a ser, ainda que de forma mínima, menos ruim e ele acaba encontrando um modo mais simples de cruzá-la até o próximo momento difícil. Não conseguiria fazer isso aquele dia independente de qualquer habilidade. Ele sabe disso desde que compreendeu que a interação tida com Charlie não correspondeu a um sonho surreal, distorcido e alcoolizado. Cada momento com ela, as esquivas, o som embargado, a percepção de mágoa... Nada daquilo compusera uma ilusão criada pela soma de substâncias que ele enfiara no próprio corpo. Não se tratava de uma produção da mente de Jack para acentuar o modo como se sentia com relação as próprias escolhas. De fato, tinha acontecido. De fato, ele se sentira aliviado por ter Charlie ali porque, mesmo embriagado e chapado, ele não tinha confiança o suficiente para deitar e dormir. Sem Charlie, como Jack voltaria a realidade? Os pesadelos vinham com tamanha força que ele não sabia se seria capaz de voltar por conta própria. Ele precisava de alguém ali, para içá-lo de volta. E esse alguém era Charlie. Apesar do susto e do assombro que perduravam depois de despertar, a presença dela era reconfortante e Jack tinha medo de dormir, medo de até deitar na cama, sem ter Charlie por perto.

Jack também se lembra — e, nesse ponto, tudo é distorcido e desfocado, de modo que o rosto de Charlie se parece muito menos com ela própria e as palavras se arrastam, derretidas, pouco encorpadas, como uma cena de filme ruim — de ter tentando abraça-la e beijá-la. Charlie se afastou e aquilo nunca tinha acontecido antes. Jack não entendeu. Não entendeu os comentários dela e, agora, é incapaz de lembrar o que foi dito. Sabe que foi ruim porque ainda há algum resíduo do tom. Não havia fúria — e talvez fúria fosse melhor. Havia decepção e ressentimento. Como Jack poderia culpa-la de se sentir desse modo? Charlie podia ser otimista e boa em perdoar ou seguir em frente, mas isso não fazia com que não tivesse os próprios medos e as próprias feridas. Ela perdoou Elliot, e Jack sabe disso. Também sabe que isso não reduziu o receio dela de voltar ao mesmo ponto, de encarar a mesma dificuldade. De sentir a mesma dor. Jack sabe tão bem disso que evita a bebida — e, talvez Charlie não acredite, mas, na noite anterior, ele também lutou com todas as forças para evita-la.

E o fato de Charlie ter sumido desde então, sem qualquer mensagem, sem o menor esboço de contato, fazia com que Jack apenas fosse mais incapaz de dimensionar o quanto poderia tê-la magoado. Pedidos de desculpas não seriam o bastante e, sentado no banco de trás do carro dos pais, forçado a aceitar a carona porque seu próprio carro havia sido apreendido e a carteira fora entregue a Charlie, Jack não conseguia pensar no que poderia acrescentar. Não sabia quais palavras oferecer. Lamento? É claro que lamentava, e lamentava desde a primeira cerveja, mas isso não o impediu de tomá-la e nem tudo que fez a seguir. Isso não vai se repetir? Era ousadia demais de Jack fazer tal promessa. Ele tinha todo o intuito consciente de cumpri-la; não tinha certeza, porém, quanto a força ou foco para tal. Não com a exaustão crescente e degradante, não com os sonhos que pareciam se tornar mais pesados e realistas, um corpo em decomposição cujo cheiro fétido era inegável.

O silêncio das estrelas [CONCLUÍDA]Where stories live. Discover now