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Aviso: o capítulo a seguir narra ações, posturas e pensamentos afetados por transtornos psicológicos. Nenhum destes deve ser romantizado ou simplificado e nem usado como justificativa para toxicidade de certos comportamentos, embora seja necessário lembrar que isso, bem como a recusa por ajuda, tem impacto direto sobre o comportamento do personagem. A narrativa do capítulo em questão foi baseada nos depoimentos extraídos do documentário "Up/Down", de 2011

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22 de agosto de 2013

Brighton, Inglaterra – Reino Unido


Jack pergunta a si próprio o que diabos pode ter feito com que George e O'Riley tenham achado que recomendá-lo para uma nova medalha possa ter sido uma boa ideia. Pergunta-se como o restante da equipe, que parecia ter escrito seus próprios depoimentos para reforçar a recomendação, consideravam que aquilo algo positivo. Jack já tinha a suas, em alguma caixa cujo lugar ele era incapaz de lembrar, mas que Charlie certamente sabia. E, parcialmente, não se sentia confortável com nenhuma delas porque não sentia que era inteiramente merecedor. Grande parte da satisfação de usá-las vinha de saber que ao conseguir cada uma, tinha conseguido com que ao menos meia dúzia de oficiais bem acima dele perdessem o sono por irritação. No entanto, nas circunstâncias atuais, ele não conseguiu sentir nem esse alivio ou divertimento. Tentava imaginar quais as chances de ser negado pelo comitê e, apesar de toda tendência ao negativismo, Jack as via como baixas. Tentava imaginar como seria o peso de ganhar aquilo ou ter que usar presa a roupa de gala em qualquer evento e suas costas doíam. Não conseguia se sentir heroico ou merecedor o bastante. Pouco importava a opinião que qualquer outro pudesse ter sobre o ocorrido há poucas semanas; a pilha de corpos, o impacto negativo, os efeitos catastróficos — tudo que Jack ouviu ser minimizado para um dano colateral totalmente imprevisível — faziam com que ele se sentisse um vilão ou traidor, mas, certamente, não um herói.

Porque, bom, um herói não deveria temer a chegada da noite e nem o sono. Um herói não deveria ficar desconfortável em frequentar lugares muito cheios porque sua mente só consegue lhe dizer que há algo de muito errado naquela multidão e é melhor que ele se prepare porque a catástrofe de revanche está a caminho. Um herói não estaria evitando contato com amigos e família porque tem receio da pressão e do que ela pode leva-lo a fazê-lo. Um herói não acordaria no meio da madrugada, sempre com o mesmo pesadelo, cada vez mais entrelaçado em suas sinapses, e, apavorado, recusaria retornar ao sono. Um herói não sentiria tanta culpa, não veria tantos fantasmas.

Não há como Jack ser um herói e ele não quer nenhum tipo de reconhecimento por isso. Não quer um emblema que vai lembra-lo do quanto fracassou, de quanto sangue houve em suas mãos, escorrendo tão para debaixo das unhas que, na primeira oportunidade, ele cortou cada uma delas baixo o bastante para machucar a carne. Há um apito constante no fundo da mente dele. Jack pode não lembrar de forma integral de tudo o que houve enquanto esteve fora — e é até engraçado como existem lacunas largas na memória dele — só que sabe que tudo deu errado e que eles terminaram mais fodidos do que estavam. Não no trabalho, é claro. Jack pensou que seria demitido e talvez, num espaço relativamente curto de tempo, acabe não só com uma medalha, mas também com uma possível promoção. Moralmente falando, é difícil estar de consciência limpa sabendo tudo que houve.

— Dou um cigarro para saber o que está pensando.

Jack moveu os olhos. Charlie estava sentada a sua frente, do outro lado da mesa circular que ocupava um canto discreto da sala. A televisão estava ligada, um barulho pouco notado ao fundo, com Baloo atento tanto a tela quanto a própria vasilha de comida. Todo o jantar que ela cuidadosamente preparara naquela sexta estava servido no espaço entre eles. Jack sabia que cozinhar era algo que Charlie desgostava com bastante força. Ainda assim, depois de um período de quase duas semanas de comida pronta, ela o surpreendeu com macarrão caseiro, salada e frango grelhado para a noite.

O silêncio das estrelas [CONCLUÍDA]Where stories live. Discover now