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23 de agosto de 2012

Brighton, Inglaterra – Reino Unido

Nosso mundo, um dia estéril, agora
Transborda vida
Com a qual podemos nos apaixonar


Charlie se sente zonza e trôpega ao caminhar para fora do pub de Pierre. Ela não está assim tão habituada aos efeitos do álcool; por algumas questões pessoais — um medo marcado em seu DNA e na árvore genealógica — ela prefere outros tipos de diversão. Mas Elliot nunca foi tolo: ele sempre soube que pessoas bebem, jovens especialmente, e que isso é divertido. E ele se esforçou para ensinar o que podia sobre o assunto para Charlie, mesmo diante de inúmeros protestos e promessas de que ela nunca colocaria uma gota de álcool na boca, Elliot tentou dizer o que sabia e alguém com a experiência dele sabia de muito.

Uma das primeiras coisas que ele ensinou é que, não importa o estado da sua mente, você consegue perceber se uma bebedeira é boa ou não. Ainda que o histórico seja pequeno, Charlie sabe que isso é verdade. Ela já tinha bebido para esquecer ou para tentar afogar alguma lembrança. Não funcionou de verdade e Charlie se sentiu mal, mesmo quando sua mente era um monte de neurônios alegres e em sinapse contentes. Ela sabia que havia algo errado e isso atormentou o sono, além de todos os dias seguintes, enquanto ela lutava com a própria consciência. Charlie odiava a sensação e por isso não repetia. Ela entendeu rápido do que o pai falava. Depois disso, Charlie sentia como se compreendesse um pouco mais Elliot. Para ele, o que vinha depois, quando acordava no próprio vômito ou pela filha, era certamente pior. Perceber o remorso e a culpa nos olhos dele foi parte da infância dela e a imagem ainda a persegue. Isso ajuda Charlie a dizer não.

Nessa noite, foi fácil perceber que é uma bebedeira boa. Ela soube que seria quando pediu que Erin servisse duas canecas com a cerveja de sempre. Às vezes, Charlie sente algo a incomodando, como se isso fosse um pequeno erro. Não é, de fato. Ela sabe que isso é só um resquício das lembranças ruins. Com Jack é fácil. Fácil demais. Charlie imaginou que a conversa morreria rápido, que ele não seria responsivo e nem interessado de fato. Isso amargaria um pouco, mas era o tipo de situação com a qual ela poderia lidar. Seu ego não é assim tão frágil.

De repente, ele estava puxando o assunto por conta própria. E Charlie gostou disso. Foram amenidades, conversas baratas e supérfluas sobre o que eles gostam de ver na televisão. Surpreendentemente, Jack é um fã dos filmes antigos e telejornais. Ele assiste toda a noite e manhã ao noticiário e Charlie consegue visualizar a cena parcialmente. Ele citou alguns — O Iluminado, O Mágico de Oz e O Terceiro Homem. Seu preferido, porém, é Cinema Paradiso um filme italiano. Jack disse que via com o pai e o avô quando era pequeno e que poucas vezes conseguiu assistir uma obra que fosse tão delicada e bonita. Charlie ficou surpresa por notar que ele sabe tanto sobre cinema. Entre uma cerveja e um Expresso Martini, ela descobriu que Jack gosta excessivamente de arte e que pratica várias de suas formas como um entusiasta.

Ela o escutou falar sobre pintura — Monet, Barlach e Kokoschka. Sua preferida é Käthe Kollwitz. Charlie tem quase toda certeza que nunca ouvira falar nela até aquele momento e a fascinação de Jack em falar sobre Kollwitz — em descrições que são ricas em detalhes, mas que pecam pelo excesso de termos técnicos — que Charlie apenas o deixou falar. De algum modo, isso é fascinante para ela. Jack é fascinante, na verdade. E isso não é efeito do álcool e nem do horário, é ele. É quando Charlie se sente mais aliviada e feliz por tê-lo chamado para sair ao invés de perder uma segunda oportunidade.

O silêncio das estrelas [CONCLUÍDA]Where stories live. Discover now