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18 de agosto de 2012

Dam Neck, Virgínia – Estados Unidos

Ninguém pode desfazer este chamado
Parar este alarme, renovar meu coração partido.


— Isso só funciona se você for honesto, Jack.

— Você achar que o que estou falando não é verdade me ofende profundamente, Dalton.

É uma fração de segundo que Jack gasta erguendo o olhar para o idoso atrás da mesa. Seus óculos estavam frouxos na última vez que ele esteve ali, uns cinco meses atrás. Percebeu isso naquela época porque ainda estava frio, mesmo que não fosse como em dezembro ou janeiro, e não havia suor. É diferente agora, no meio do verão e com Dalton tão desgastado que qualquer pequeno fato fora da sua rotina e planejamento fazem fumaça sair de sua cabeça — a mesma fumaça que está subindo pelo asfalto ao redor do Rav4 de George.

Hoje, ele sua como um porco no caminho para o abate. Jack convenceu a si próprio de que não tem qualquer tipo de culpa nisso apesar do que seu instinto lhe informava. Ele sabe sobre sua ficha enorme, cujas condecorações e feitos acumulados não servem para atenuar todas as razões de ele estar ali. Na verdade, talvez o efeito fosse o oposto. Para homens como Dalton, é claro, e George, que querem que a vida pós-alistamento seja idêntica à vida antes do serviço militar, tudo pode ser sinal de um problema. Jack não consegue se convencer disso e nem mesmo tenta. Ele tem certeza que seu antigo eu está morto e enterrado como indigente em uma vala qualquer. Ninguém seria capaz de reconhecer os restos agora, nem o próprio Jack.

Dalton quer ouvi-lo falar. É o que ele sempre pede, consulta após consulta. Na cabeça de Jack, esse pedido não deveria nem mais existir depois de tantas negativas. É um pouco humilhante que Dalton insista tanto. No fundo, Jack sabe que isso é parte do trabalho e por isso cede de algum modo, mesmo que não como queira. Jack nunca para naquele lugar, sentado na cadeira marrom, com o mesmo boné ou touca cobrindo o rosto, por vontade própria. É sempre culpa de George que, de algum modo, consegue criar essas armadilhas e anular todas as opções de escapatória. Dalton sempre está à espera, sorrindo de modo simpático. Jack tem a mesma sensação todas as vezes, o mesmo pânico estrangulado na garganta. Mesmo que ele já conheça cada momento, seu cérebro disfuncional cria uma ilusão verossímil de que, qualquer que seja a forma, ele está caminhando para a cruzar a linha. Não importa o que há do outro lado, trata-se do fim.

Jack tem uma técnica montada para momentos assim. Ele varia entre blefes e desvios de atenção, principalmente. Dalton é psicólogo, então pode notar o padrão existente. Por isso, em uma tentativa de quebrar o código antes que ele se estabeleça, Jack dá alguns momentos de honestidade. São mínimos como podem ser, mas bastam para que Dalton mude de foco.

Apesar disso, a previsibilidade de cada hora semestral que Jack passa ali é inegável. Talvez a técnica seja fajuta mesmo e Jack não queira ver isso porque desmonta suas estratégias. Dalton sabe que nunca vai ter muita coisa sendo dita. É possível que esse seja um dos fatores a irritá-lo ainda mais. É como se uma grande parte das ações dos dois estivesse coordenada, com falas e movimentos pré-montadas. Dalton tem se esforçado muito para quebrar essa barreira, mas Jack constrói muros muito bem e eles se tornam mais rígidos e sólidos. A verdade — e Dalton sabe disso só não quer desistir — é que Jack não quer falar. Ele não se sente confortável em se expor e não quer ser covarde. Seu pai pode ser um idiota, ter lhe ensinado poucas coisas boas de fato e sempre ter dito que não há espaço para covardes ou fracos no mundo.

Jack sente o olhar de Dalton pesando sobre sua nuca. Seu rosto está baixo, virado para o cubo mágico que todos os outros pacientes tocam sem nunca tentar arrumar. Jack gosta que aquele brinquedo esteja ali porque é a melhor distração que ele tem em consulta. O tempo para organizar as peças tem se tornado ligeiramente menor a cada vez que ele aparece ali. Jack teme que, em breve, torne-se rápido demais e que perder o cubo mágico signifique perder o controle também. Jack não pode deixar que isso aconteça. Ele gastou, e ainda gasta, muito tempo, aprisionando os fantasmas em seu crânio. Mesmo enjaulados, Jack os escuta gargalhar em escárnio o tempo todo. Não haveria mais vida se eles se soltassem.

O silêncio das estrelas [CONCLUÍDA]Where stories live. Discover now