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Aviso: o capítulo a seguir narra ações, posturas e pensamentos afetados por transtornos psicológicos. Nenhum destes deve ser romantizado ou simplificado e nem usado como justificativa para toxicidade de certos comportamentos, embora seja necessário lembrar que isso, bem como a recusa por ajuda, tem impacto direto sobre o comportamento do personagem. 

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20 de setembro de 2013

Brighton, Inglaterra – Reino Unido

— Podemos conversar?

As mãos de Jack suavam. Ele começou a ensaiar as palavras na noite anterior, depois que Charlie adormeceu. Decidiu que já fazia mais de uma semana e que aquilo era tempo e distância demais. O que começara como um merecido castigo, a punição adequada para seu crime, parecia estar se estendendo em demasia. É claro que, como réu, Jack naturalmente chegaria a conclusão de que a pena aplicada tinha sido excessiva independente do quão errado ele fora. Parecia ser parte do processo de aceitação e revolta — Jack tinha aceitado desde o princípio e a revolta vinha do fato de que, apesar disso, apesar do arrependimento claro, Charlie ainda estava distante. Ela ainda falava pouco, não insistia muito e nem se excedia em tentativas. O contraste com o que viera antes, com o modo com que ela se portava, era realmente doloroso e Jack compreendeu como perder para perceber é o pior método. O contato mais íntimo deles vinha nos consolos e cuidados após o pesadelo e, apesar de Charlie agir como agiu antes do dia 11, ainda havia algo de diferente que incomodava Jack.

Jack entende bem que qualquer direito que tenha de pedir é pouco, talvez até nulo. Durante o dia em que esteve com Diana, ele foi aconselhado a respeitar o espaço. Aquilo não era uma estratégia nova ou diferente do que vinha acontecendo. Jack não forçaria sua presença além do necessário porque os efeitos seriam catastróficos. Diana não fez qualquer promessa, direta ou indireta, sobre interceder em favor dele. Ela foi clara ao afirmar que não tentaria suavizar o erro de Jack antes que ele mudasse, que fizesse algum movimento para mudar o ciclo. Tudo que eles conversavam orbitava-lhe a mente em qualquer espaçamento silenciosos do dia. Jack se sentia reconfortado com a proposta de Diana, mas o reconforto cedia de modo rápido. Ele ainda tinha muito para pensar, muitos medos que, pela própria segurança, não sabia se deveria encarar. Tem medo de que encaixar o bisturi na ferida, ainda que seja um processo necessário para tirar o pus e começar a desinfeção, doa muito mais do que ele suporta. Diana acertou ao chama-lo de bundão. Debaixo dos músculos, atrás do tamanho, Jack esconde um covarde.

Charlie ergueu o olhar. Colocou o celular de lado. Ela sabe que está estranha ao longo dos últimos dias e não gosta do que essa sensação causa em si mesma. Sente-se desconfortável, estranhamente deslocada da própria vida como efeito de uma escolha individual que ela não tem certeza se pode ou se deve desfazer. Não gosta do distanciamento que impôs entre si própria e Jack. Não gosta de sentir pouco conforto ao dirigir o olhar ou a palavra. Não gosta de como há algo entre eles na cama, um fantasma que tem criado calombos no colchão e tornado o sono tranquilo uma impossibilidade.

E, ainda que não goste, Charlie enveredou por aquele caminho por não conhecer outro. Bom, o outro incluía um distanciamento ainda maior e mais completo. Incluía um período fora, até que a mágoa cedesse de fato e Charlie pudesse perdoar Jack, atrever-se a lhe dar uma nova chance. O grande problema é que isso também significava deixa-lo sozinho e Charlie não tinha tamanha coragem e nem desprendimento. Em nenhum momento, os sentimentos dela por ele haviam mudado ou sido removidos. Charlie ainda amava e respeitava Jack. Ainda se preocupava, ainda o queria tão bem quanto possível. Isso estava lá, abaixo da ebulição mais recente. Então, a soma de tudo pré-existente com a consciência de que fora uma atitude desesperada, ainda que lúcida, e da percepção de que Jack se arrependia o bastante para emanar constrangimento, mantiveram-na ali. Charlie, por falta de coragem e por temer os efeitos, por ainda não sentir que era o momento de abrir mão, ficou. E, mesmo distante, encontrava algum alívio em poder estar ali e ajudar.

O silêncio das estrelas [CONCLUÍDA]Donde viven las historias. Descúbrelo ahora