Capítulo 29

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XXIX

Melkor piscou algumas vezes, pensando que estava a passar por algum delírio. Mas não era; Mairon estava realmente a cantar.

E assim continuou:

"Por toda a minha vida eu vou te amar

Em cada despedida eu vou te amar

Desesperadamente eu vou te amar"

Fazendo esforço, Melkor respondeu:

"E cada verso meu será

Pra te dizer"

Ambos assim cantaram:

"Que sei que vou te amar

Por toda a minha vida"

Lúthien, a qual saíra de Mandos e estava a escutar, lembrou daquela já remota ocasião em que Mairon cantara essa música e ela a usara para cantar com Beren¹. Teve naquele momento pena do maia, pois sabia que ele amava a Melkor e só estava a morrer com ele por causa desse amor. Na ocasião mesmo ela não se refreara de matá-lo com Huan por causa daquele amor? Pois ele perdurava... era após era ele perdurava.

Já sem forças, ambos os ainur fecharam os olhos e se viram tragados por uma escuridão sem precedentes. Estavam a morrer? Que importava?

Seus corpos jazeram inertes no meio da batalha; Túrin reverberando de júbilo pela vitória, Mairen chorando agarrada ao corpo dos pais, Moriel em pé quieto apenas observando, as lágrimas caindo sem controle. Mas as almas de Mairon e Melkor se direcionaram para muito longe dali.

Repentinamente, ambas as almas (fairë) foram parar na frente do próprio Ilúvatar, o qual, ao contrário do que ocorria até há pouco, emanava uma luz sem igual.

Ambos os ainur permaneceram a olhá-lo de forma empedernida. O que ele ia fazer com eles? E com seus filhos? O silêncio somente foi quebrado pela voz profunda de Ilúvatar:

- Vejo que finalmente chegou a hora de descobrir o destino de vocês.

Mairon tomou a palavra:

- Senhor, não viemos aqui para pedir perdão. Aceitaremos qualquer castigo que nos for imposto. Eu, no entanto, apenas peço encarecidamente uma coisa: que poupe a meus filhos! Eles nada fizeram de errado para nascer nesta família; nela nasceram somente porque eu e Melkor os tivemos. Eu tenho responsabilidade porque saí de Valinor por livre e espontânea vontade e fui me oferecer para ser servidor de Melkor e mais tarde casar-me com ele. Eu fiz porque quis. Eles não. Eles não tiveram escolha. Nasceram já no Reino Negro. Especialmente Moriel é de uma personalidade muito disciplinada, creio que se adaptarão bem.

Eru ainda esperou para replicar, mas enfim disse:

- Melkor estava em Arda desde a segunda era, não é verdade?

Mairon respondeu:

- Sim, é verdade. E isto também é culpa minha. Eu por muitos anos acumulei energia e o trouxe de volta para Arda.

- Ele passou toda a segunda e terceira eras em ordem.

Mairon não sabia se aquilo era uma pergunta ou uma afirmação. Mas não precisou se questionar. Logo ele respondeu:

- Na primeira era, ele também esteve quieto em Angband enquanto estava com você.

- Ele não estava quieto quando roubou as Silmarili...

- Nessa ocasião ele estava sem você.

Aquela verdade era realmente bastante pertinente. Mairon nunca pensara naquilo de forma consistente.

O filho da escuridãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora