Capítulo 1

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O Filho da Escuridão

I

Melkor observava à fortaleza decadente, porém era como se nada visse. Sabia que Ancalagon havia caído. Sabia que em breve as hostes de Valinor estariam em seu encalço. Agora estava na masmorra mais funda de Angband, e ninguém o acompanhava. Em breve chegaram Mairon e Moriel.

Todos sabiam que Mairon era seu tenente mais fiel e confiável - o que poucos sabiam era que ele era também seu consorte há milênios, e que uma vez ao tomar uma forma feminina, engravidara de um filho seu. Esse filho era Moriel.

Moriel, o qual herdara o poder de Melkor e a racionalidade de Mairon. Moriel, aquele cuja beleza cegava aos olhos de quem olhasse. Moriel, que apesar de tantos portentos, jamais se ostentava por saber que isso certamente traria problemas por ser ele filho do que era chamado de Negro Inimigo do Mundo.

Estavam lá, no final de tudo, a família que Melkor mantivera em segredo para não haver danos.

- Está tudo perdido... - disse ele, os olhos cheios de lágrimas mirando o nada.

- Ainda não...! - respondeu Mairon - Vamos, fujamos, ainda há tempo!

- Não. Para onde eu for, vocês serão visados.

- Hã...? Você... não vai conosco?

- Não. Vão vocês. Mairon, eles estariam dispostos a te perdoar. No parto de Moriel¹... lembra? Os servos de Mandos...

- Mas eu não quero ser perdoado!

- Pode não querer, mas será mais fácil a eles crer que você nada tem mais que ver comigo.

- Eu não quero te deixar aqui...! Eu prometi que não ia te abandonar!

Dito isto, Mairon começou a chorar e abraçou a Melkor com força. O vala mal reagiu. Estava como num entorpecimento próprio de sua derrota inevitável.

- Mairon, me abandonar seria largar tudo. Quando eu fui à prisão dos Valar, você cuidou de Angband. Você chama isso de me abandonar? Só porque não foi à prisão comigo?

- Não, mas... agora algo me diz... que eles não vão só te prender!

- É provável que façam pior... porém, Mairon, meu amado... caso você sofresse o mesmo destino, quem reergueria o meu legado? Quem reconstruiria um reino para eu reinar quando voltasse?

- Então quer que eu...

- Sim, eu quero - e ao dizer isso, Melkor beijou a fronte dele - Quero que reerga tudo que parecer destruído hoje. Quero que aja em silêncio como sempre fez e sempre aconselhou aos seus servos a fazer. Mairon... você sempre foi mais racional que eu. Veja, eu decaí tanto fisicamente - e você continua inteiro. Com um fána intacto. Você vai conseguir trazer tudo de volta... você e Moriel. Ele tem a sua cabeça, ele vai conseguir também. Não vai estragar tudo... como eu sempre fiz.

- Oh, não fale assim, por favor...! Quem seria eu sem você hoje? Um pobre ferreiro subordinado a Aule, vivendo aquela vidinha em Valinor!

- Mas você sabe gerir as coisas melhor que eu. Vá, meu amor... vá. Não é um "adeus". É somente um "até logo".

O coração de Mairon se encheu de dor. O último "até logo" dentre eles durara dois mil e novecentos anos² - e a prisão fora provavelmente mais leve do que a pena que Melkor teria agora. Quando seria o próximo encontro deles...?

Diante de tal pensamento sombrio, Mairon abraçou ao vala negro com força, e lhe beijou na boca com ardor. O vala teve de interromper ao beijo pois senão seria tarde demais.

O filho da escuridãoWhere stories live. Discover now