Prisioneiros da liberdade

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O médico não parecia muito satisfeito com os últimos resultados dos exames de Saulo Cardoso. O tratamento que, aparentemente, não parecia uma possibilidade, se configurava como uma perspectiva cada vez mais certa.

- O senhor está impaciente, estressado, ansioso ultimamente?

- Sim, doutor. – disse o executivo, colocando a mão na cabeça. – Problemas familiares, minha filha terminou o noivado, estou com uma pedra no meu sapato, corro risco de perder meu emprego.

- A sua família ainda não sabe que você está com leucemia?

- Preferi não comentar... Principalmente agora, que minha filha está passando por uma fase difícil.

- Mas eles precisam saber, Sr. Cardoso, especialmente porque caso a sua situação piore, nem os remédios que foram prescritos vão ajudar. Você vai precisar de uma transfusão de sangue.

Saulo voltou para casa dirigindo, mas não poderia – encontrava-se muito nervoso para prestar atenção no trânsito movimentado da Avenida Paralela. Tentou esconder a doença de Nora e Michelle, já que os remédios aparentemente davam resultado e ele não precisava se submeter a um tratamento radical como quimioterapia. Entretanto, os resultados dos exames não eram nada positivos.

"Claro que estou estressado! Maldita Isabel, ela vai conseguir me matar!"

Para o executivo, o retorno da jovem havia acelerado o avanço da doença: a pressão de Alberto Cavalcante de Menezes em fazer com que ele se reconciliasse com Isabel, e os olhares julgadores do empresário quando ambos se cruzavam na CDM/Calete, indicavam que sua cabeça estava a prêmio na construtora. Pouco se importava: jamais se entenderia "com aquela vagabunda! Quando a mandamos embora, foi de vez!" Seria capaz de encontrar um novo emprego; ou melhor: com o dinheiro que tinha de seus fundos de investimento, abriria uma consultoria, uma empresa de RH. Não precisaria da CDM/Calete para nada.

No entanto, necessitava que Michelle se entendesse com Daniel – afinal de contas, o sobrenome Vilas Bôas abria mais portas do que o dele. "Ou então, ela pode tentar Frederico Bittencourt, que é ainda mais milionário...", pensou, ganancioso.

Abriu a porta da garagem usando o controle. Respirou fundo: o médico estava certo, precisava contar o que acontecia com sua saúde.

- Pai, como foi a consulta? – Michelle correu para abraçá-lo. O rosto já estava bem melhor após a briga com Flávia, e com a base, nem era possível ver a leve cicatriz em sua bochecha.

- Espero que esteja tudo bem, meu amor – comentou Nora, visivelmente preocupada. – Você anda muito estressado e comendo péssimo.

Saulo deu um longo suspiro.

- Aconteceu alguma coisa?

- Eu... – respirou fundo. – Não fiquem preocupadas, tudo vai ficar bem, ok?

- Pai, eu tô ficando com medo... Você não vai morrer não, né?

- Eu... Eu tenho leucemia... Leucemia Linfoide Crônica... Estava tomando remédios, porque o tratamento não era agressivo, mas a situação piorou... Nos últimos exames... O médico está preocupado e teme que eu precise de uma transfusão.

A menção à palavra "leucemia" fez Michelle desabar. Caiu no chão, um choro copioso e desesperado. Não queria perder seu pai, seu herói e maior inspiração. "Não... Meu paizinho não vai morrer..." Já Nora o abraçou, confortando o marido, tentando dar ânimo a Saulo.

- Você não vai precisar de transfusão, meu amor. Nós vamos cuidar de você... Peça uma licença, férias... Vai descansar, relaxar, sair dessa fase de estresse e vamos sair dessa juntos, como uma família...

Cavaleiros da NoiteWhere stories live. Discover now