Sobreviventes

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Gerônimo Severo não gostava de voltar para casa em qualquer horário depois da meia-noite. Podia ser policial, mas sabia que as madrugadas não eram bondosas para ninguém.

Só que era sexta-feira, e "Tony precisava marcar a apresentação às nove da noite em Santo Antônio Além do Carmo e ainda me pedir pra deixá-lo no terminal de São Joaquim pra pegar o ferry. Isso não é amigo, é calvário", concluiu em pensamento, enquanto conduzia seu carro, uma pick-up pouco usual para andar numa metrópole (mas que combinava perfeitamente com seu tamanho), pelas ruas do Comércio.

"Mas tudo bem, logo estou voltando pra casa e vou dormir. Amanhã será um dia tranquilo e sem nada de relevante pra fazer".

O final de semana não teria apresentações de seu projeto paralelo – uma banda de rock anos 70 e 80 chamada Night Riders, que sempre tocava no bairro mais boêmio de Salvador, Rio Vermelho, ou onde os contatos de seu melhor amigo e baterista, Tony, quisessem; e não era plantão para Severo. Já sabia o que faria: dormir em sua cama, ouvir um bom disco na vitrola e correr na Orla. Nada de tirar "Come Together" na guitarra ou atender aos telefonemas de Lourival Elias ou do investigador de plantão na delegacia.

"Sem trabalho por todo um final de semana".

Já tinha organizado tudo mentalmente: o café reforçado que prepararia assim que acordasse, a corrida pela Orla antes do sol ficar inclemente para atividades ao ar livre, um bom livro que estava guardado na gaveta do criado-mudo há meses e o disco recém-adquirido do The Police num sebo, "Synchronicity". Tudo estava perfeitamente planejado para um fim de semana impecável.

Até que ouviu um barulho estranho se aproximando do seu carro, na Rua Carlos Gomes e diminuiu a velocidade, observando o que parecia ser alguma viciada em crack assaltando um rapaz no meio da rua. Era possível ver outra mulher na cena – ou a companheira dele ou uma comparsa da mulher.

Não tinha muito tempo para pensar nos detalhes do caso até que todos os envolvidos estivessem na delegacia. Retirou a luz de emergência e colocou rapidamente na parte de cima do carro, ligando para chamar a atenção, e freou o veículo, saindo rapidamente de arma em punho.

Enxergou rapidamente a situação apresentada: "Assalto. O rapaz no carro esporte achava que ia aproveitar a noite com alguma prostituta da região e foi vítima de um golpe." Direcionou a arma para a assaltante e disse:

- Largue a faca. Está presa!

O rapaz logo se apressou a gritar em agradecimento:

- Obrigado, policial, eu... Eu estava sendo atacado por essa louca, ela iria me matar!

A mulher, que ainda estava concentrada na arma e na pessoa à sua frente, apenas disse, como se não tivesse visto o policial apontando a pistola em sua direção:

- Ele bateu na minha amiga, vim defendê-la! E não abaixo a faca até mostrar o distintivo!

Severo percebeu a moça tremendo, com marcas roxas no rosto.

- Elas estão juntas, vão me atacar, queriam roubar meu carro enquanto eu pagava por um programa! Tinha que me defender!

- Esse riquinho de merda tá mentindo! Quem tá com a cara fodida é quem?

- Quem tá armada aqui? Prende ela logo, policial!

Surgidos do começo da rua, apareceram viaturas da polícia militar. Aparentemente, alguém ligara por conta da confusão.

Os policiais saíram rapidamente e se aproximaram da moça, apontando a arma na direção da jovem, que não entendia por que todos acreditavam que ela era a culpada.

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