O tempo que corre

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Havia um constante silêncio na sala da psicóloga Adriana Ramires. Mas não era por conta de seus pacientes; o ambiente, mesmo cercado de outros prédios empresariais e a movimentação da Avenida Paralela, tinha uma quietude que para alguns, poderia ser enervante. No entanto, o objetivo de Adriana era acalmar as tensões e ser mais ouvinte do que a pessoa que perguntava.

Tinha cerca de quarenta anos, cabelos crespos, a pele negra reluzente e os olhos pequenos, investigativos, levemente puxados, buscavam fazer com que o paciente fosse mais aberto e dissesse o que pensava, quais eram seus sonhos, desafios, fantasmas. À sua frente, a jovem com quem conversava já não escondia tanto os medos: estava mais aberta e sorridente para falar com Adriana.

Sempre que terminava uma de suas sessões com a jovem, conseguia ver a si mesma quando mais nova. No entanto, a insegurança que a sua paciente tinha fora dominada pela psicóloga quando esta era adolescente. Uma família que a valorizava e sempre dizia o quanto ela era bonita, sua cor era bonita, o cabelo, os traços.

Ela percebeu que sua paciente carecia daquele carinho em seus anos formativos, o que colaborou para um comportamento autodestrutivo, mesmo com um grupo de pessoas que eram referências familiares, dispostos a ajudá-la.

- Hoje eu consigo entender que sempre tive uma família, mas não sentia que merecia aquelas pessoas na minha vida. Todos tinham suas vidas, seus problemas, e estavam largando tudo por mim.

- Você acredita nisso?

Percebeu a jovem arrumando as luvas que vinham do antebraço até o pulso. Nas pontas, a luva não tinha dedos, e sim um anel onde seria colocado o dedo médio. A luva, na cor preta, casava bem com a camisa também preta, estampada com uma imagem dos personagens de He-Man.

- Estou... Tentando acreditar. Algumas vezes acho que estou atrapalhando a vida de Flávia, ficando na casa dela, mas depois entendo que deveria ter feito isso há muito tempo. Passei anos deixando o passado me dominar. Comandar minha vida, minhas ações, até a forma como eu caminhava na rua. Mas... Tantas vezes, Adriana, tantas vezes, me dá vontade de sumir. Ficar no quarto com minha gata e não ver ninguém. Mas Flávia não deixa. – sorriu, timidamente.

- Você já visitou seus amigos no centro?

Isabel respirou fundo. Há três meses que morava no apartamento de Flávia e apenas circulava pela região de Patamares; e agora na Paralela, onde ficava o consultório da psicóloga. Ainda não retornara às traduções, sequer lido informações sobre o "assassino do aplicativo". Foi praticamente um "detox" de tudo aquilo que fazia parte da sua vida, para que ela retornasse aos poucos ao caminho normal das coisas.

Ajeitou os óculos de armação retrô – redondos com a parte superior levemente pontuda e armação superior mais grossa que a inferior – e prosseguiu:

- Eu preciso. Ainda não tenho coragem. Mas converso com Seu Januário e Sra. Moon por telefone.

- Você já consegue vir até aqui, de táxi.

- Porque é fácil. E pra pegar ônibus na volta é um trabalho! Tem que andar até a estação de metrô, pegar um ônibus depois. O táxi fica melhor.

- Então vá de metrô.

- Vou pensar no seu caso... Quer dizer, eu vou fazer sim. Sinto falta de Seu Janu, sinto saudades do abraço da Sra. Moon...

Aquela ideia não ficou apenas na hipótese. Bel realmente considerou a possibilidade de ir até o centro, de metrô, para visitar seus queridos amigos. Marcaria um bom horário para encontrar todo mundo: Seu Januário, Sra. Moon, Clara... "Quer dizer, Ester!"

- Alô, Ester? Sou eu, Bel!

- Ai meu Deus, Bel? Que saudade de você, mulher, como anda a vida? – a voz da amiga estava embargada. Era indisfarçável que sentia falta de conversar e conviver com Bel, e a recíproca era verdadeira.

Cavaleiros da NoiteWhere stories live. Discover now