Os cavaleiros da manhã

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Pessoas caminhavam apressadamente na estação Pituaçu, grande demais para um metrô de linha tão modesta. Entre grupos de estudantes barulhentos, trabalhadores com suas bolsas ou mochilas e executivos frenéticos seguindo para o Centro Administrativo da Bahia, onde ficavam as secretarias estaduais e a sede do governo, uma pessoa caminhava com a tranquilidade de quem não se via preocupada com nada.

Com o fone de ouvido tocando uma playlist de Earth Wind and Fire, o celular escondido por dentro da blusa com uma estampa do Star Wars e da calça flare, o cartão de transporte no bolso frontal da calça e algum dinheiro escondido no sutiã – dica de Ester, "para evitar dar bandeira pro bandido", Bel estava realizando uma das atividades que sua psicóloga havia lhe recomendado: circular sozinha de metrô por Salvador e visitar os amigos queridos do centro.

Quando no passado ela se recusaria a caminhar em meio a multidão, agora ela ficava em pé num dos vagões repletos de gente. Optou por deixar uma música no pause e ouvir as conversas das pessoas, que discutiam em voz alta a situação da dupla BA-VI no último Brasileirão, se a passagem do ônibus iria aumentar de novo, o fato da filha da vizinha ainda estar morando com o namorado que vivia de bicos. Bel escondia o riso a cada comentário jocoso das duas amigas que falavam mal dos ex-namorados, enquanto observava a mudança na paisagem: os prédios bonitos de classe média-alta do Imbuí, envolvidos pelo verde restante da Mata Atlântica, davam lugar ao caos do principal centro financeiro da cidade, entre o Iguatemi e a Avenida Tancredo Neves, que Bel via apenas de longe, enquanto o metrõ cortava a cidade.

- Salvador é tão grande... – disse baixinho, para si mesma, admirada em como passou anos sem ver o que ocorria na cidade onde havia nascido.

De acordo com Ester, após chegar na estação Acesso Norte, ela teria que trocar de metrô para um vagão que servia à chamada Linha 1, cujo destino final para Bel era a Lapa. Aquele caminho era ligeiramente conhecido para ela: passou parte da sua infância no bairro de Brotas, onde os pais viviam. Mas não queria se lembrar do passado – eles não mereciam se envolver em suas memórias quando Bel criava novas.

A exemplo da parte do metrô que ficava no subsolo, que fez a jovem assoviar em meio ao vagão cheio. E depois, quando desceu na Lapa, junto à massa de soteropolitanos seguindo em frente para mais um dia, subiu as escadas impressionada com o triunfo de engenharia que era aquele metrô. E ficou surpresa com a nova estação da Lapa, bem diferente da que visitou, anos antes, quando estava na faculdade.

Elias dissera que estaria esperando Bel em frente ao mercado que ficava ao lado da saída do metrô, mas ela não o viu. "Será que atrasou?" Decidiu ficar no local do encontro, e ligou novamente a música. Novamente "After the Love Has Gone" surgia, e Bel não pulou a faixa. Adorava ouvir várias vezes as músicas que gostava.

For awhile, to love was all we could do

We were young and we knew

In our eyes were alive

Deep inside we knew our love was true

For awhile, we paid no mind to the past

We knew love would last

Every night, something right

Would invite us to begin the day

"Vixi, será que Elias atrasou?" Bel batia os pés no chão, mas não era no compasso da música.

Something happened along the way

What used to be happy was sad

Something happened along the way

Cavaleiros da NoiteWhere stories live. Discover now