A princesa esquecida

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Bel foi pega com a guarda baixa. Não sabia onde colocar as mãos, ou como agir. Não tinha noção de como funcionava um beijo na realidade – tinha treinado na adolescência com uma laranja, mas aquilo não parecia uma laranja. Havia uma língua, que a invadia sem pedir licença, e dominava os sentidos e aumentava a temperatura do seu corpo. A música de Barry White continuava a tocar, emoldurando aquele momento que a jovem nunca pensou um dia acontecer com ela.

Todos diziam que ela jamais seria digna de namorar alguém, de ser beijada, de ser amada por alguém. Chamavam-na de promíscua, vagabunda, quando aquele era o seu primeiro beijo. E de olhos fechados, deixou-se levar por aquele corpo muito maior do que o dela, mais forte, que a envolvia numa espécie de abraço possessivo, como se quisesse dizer que ela o pertencia. Não conseguia deixar de sorrir internamente com a conclusão.

Sorriu ainda mais quando Severo se afastou, encarando Bel com uma surpresa que a jovem não esperava. O sorriso dela, que era esperançoso de início, tornou-se incrédulo graças ao olhar que o policial lhe lançou. Como se não acreditasse no que estava fazendo.

"Isso... Isso não faz sentido", pensou Severo, sentindo o peso do mundo em suas costas, de forma repentina. Não era para receber o beijo daquela forma. Era suposto que ele lidaria com uma mulher experiente, não com uma jovem que... "Meu Deus! Isabel nunca foi beijada! O que... Não, eu... Não devia ter..."

- Severo... Eu... Eu não... – Bel tentou explicar o que estava sentindo, a confusão emocional que aquele beijo proporcionou, e como sua mente e seu coração estavam bambos apenas pela sensação que o ato havia lhe dado. O seu coração batia tão forte que a jovem temia que ele ouvisse.

Mas não imaginava que ele se afastasse, ainda surpreso com a conclusão terrível ao qual chegara. O erro cruel em seu julgamento – em seu pré-julgamento. Severo tinha sido alertado por tanta gente... Elias, Tony, sua mãe... E ele não entendeu, não quis entender, porque Isabel não se adequava ao que ele imaginava ser a mulher "perfeita", "ideal". A verdade estava bem à sua frente, mas ele era tão tolo e obtuso, como o homem obtuso que era, para ter percebido.

- Eu... Eu não posso... Eu errei, não devia... Isso foi um erro, Isabel. – virou-se de costas e saiu sem se despedir do apartamento, que de repente ficou com a temperatura abaixo de zero. Imenso para alguém tão sozinho quanto Bel. E frio para alguém que estava quente, viva, existindo há instantes atrás.

Estática, sem entender nada, tocou nos próprios lábios, que ainda estavam inchados de um beijo que agora, Bel sabia, era um "erro". Um homem como ele, de que maneira se envolveria, se interessaria por alguém como ela? Tão feia, tão quebrada, tão doente... "Um erro... Sempre um erro... Todos dizem isso... Todos dizem isso, Bastet... Eu não mereço nada disso, nem um beijo, algo que todos vivem..."

Fechou a porta num impulso e trancou a chave e também com a tranca. Caminhou de um lado a outro do apartamento, os olhos saltados, o coração batendo forte, o suor escorrendo pelo rosto. Os cabelos já estavam desgrenhados e ela parecia longe, distante daquele apartamento.

Desabou no chão da sala, repetindo as mesmas palavras que sempre ouvia, desde quando se entendia por gente: "culpada", "erro", "diferente". "Não tenho direito... Não posso sonhar... Não existe nada disso...". O telefone tocou, mas ela não percebeu que o celular vibrava.

Ficou em posição fetal, chorando até acreditar que a dor ia embora. Mas não foi.


Flávia tinha ligado para Bel, mas ela não atendia. Aquilo a preocupou: recentemente, a jovem estava melhorando, ganhando peso, parecia mais saudável e visivelmente feliz. A Bel que sempre amou estava voltando e não queria que ela retornasse aos antigos hábitos autodestrutivos.

Cavaleiros da NoiteWhere stories live. Discover now