6. A torre dos magos

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O avô de Flippo havia se retirado da mesa adentrando pela casa. Luci havia retornado e trouxe para Flippo um presente que havia ganhado de seus pais, duas bestas de mão com vários projéteis. Ela dizia não querer mais guardar recordações dolorosas e que as armas seriam de Anysia, a mãe de Flippo.
De posse do objeto e trazendo muita comida que a tia Helga havia embrulhado Otony e Flippo voltaram para a cabana, dessa vez passando por uma pequena porta pelo portão lateral que estava fechado de onde dava acesso para sua cabana. Flippo veio contemplando as armas em suas mãos e perdido em seus pensamentos, seu pai o acompanhava em silêncio.
Os dois adentraram na cabana e Otony jogou mais lenha na fogueira que estava quase se apagando. Flippo jogou as armas sobre sua cama e com a harpa em mãos olhou para seu pai.
- Pai.
- O que foi filho? - disse o homem sem se levantar.
- Sente-se em sua cama pai, quero tocar uma canção para o senhor.
- Está tarde filho, não é melhor irmos dormir?

- Vai te ajudar a acalmar. - o peito de Flippo tremia como se seu coração fosse sair pela boca a fora, ele precisava se concentrar, senão seus planos estariam perdidos.
- Pronto filho. - disse a voz paternal.
Flippo, sem abrir os olhos, começou a melodia repetitiva e penetrante que havia aprendido, não parou até ter certeza de que havia tido sucesso. Só depois de algum tempo conseguiu olhar para o corpo de seu pai que estava estirado sobre a cama, adormecido.
- O senhor não me permitiria pai... vou sentir muito sua falta, mas eu preciso tentar... por nós... pela mamãe! - Flippo conversava com o homem inconsciente enquanto ajeitava seu corpo sobre a cama.

Colocou a pele que o cobria e jogou mais lenha na fogueira. Reabasteceu a mochila com a comida que tinha ganho, arrumou um lugar para as novas armas e preparou-se para o frio e a solidão que o aguardava lá fora. Beijou seu pai na testa, imitando o gesto paternal e partiu.

Ao fechar a porta da cabana, tentando se acalmar e convencer-se de que estava fazendo o melhor, Flippo foi assaltado por um olhar prateado na escuridão.

- Mestre! O que está fazendo aqui?
- Não podia deixá-lo sozinho vagando pela floresta durante a noite. Os anões fecharam os portões da montanha a única passagem para Runetaun é pela encosta, vou te ajudar mais uma vez.
- Obrigado mestre, não sei como agradecer.

- Vejo que entoou muito bem o feitiço do sono. - e estendo a mão com papiros enrolados, entregou a Flippo - Tome, fiz esses pergaminhos com mais melodias, creio que será útil à sua jornada.
Flippo ajeitou-os em sua mochila e partiu encosta abaixo com o drow. A floresta estava escura e cheia de barulhos novos que o pequeno aventureiro não conhecia. O drow conjurou uma chama azulada igual a que tinha em sua caverna e os guiou até a orla da ilha.
Foi uma longa caminhada por um local onde Flippo nunca havia estado. Chegando até a beira mar, o garoto se espantou ainda mais, quando o homem esguio revelou, por entre folhagens, uma canoa.
Em silêncio, o drow o levou até a ilha mais próxima. Foram mais de uma hora a remo, que Flippo não soube calcular com exatidão e quando se deparou com a situação refletiu que nem teria conseguido sair do próprio continente, se não fosse a ajuda do mestre.
- Agora é com você menino, não estarei mais por perto para te proteger.
- Nem eu. - brincou Flippo.

Os dois deram as mãos e o menino desceu. O drow virou a canoa e voltou pelo caminho de volta, sumindo no mar.
Flippo via luzes acesas logo a frente contornando a margem do rio, a vegetação baixa e as árvores espaçadas permitiam uma visibilidade maior, bem diferente de Bedaürinde. Optou por não ir direto ao local e seguiu pelo entorno.
Quando passou pelo primeiro morro uma grande torre de ametista era refletida pela luz do luar há alguns quilômetros de distância as suas costas. Era a torre de magia, do anão transmutador.
"Os magos", recordou-se do encontro na cidade do cais, dias atrás.
Sem ser percebido seguiu até a torre. Ficou surpreso com o tamanho e o material que era feita, a base de rocha e a ponta de ametista pura, toda esculpida, com vários metros de altura.
Haviam tochas acesas na entrada da torre e um barulho de cavalos e passos próximos, no que parecia ser um estábulo. Flippo continuou a caminhar por entre as sombras, como seu mestre o havia ensinado e abaixou-se tentando decifrar a movimentação que ouvira.
- Grunny tem certeza que pegou tudo o que precisava?
- Claro mestre!
- E porque seu grimório está comigo?

- Oh... eu... eu... está com o senhor? Muito obrigado.
- Não sei como ainda não se transformou numa lagartixa Grunny, de tão desatento que é! Agora preste atenção, você está indo para Prystol com a missão de descobrir o que Egoin está tramando, qualquer notícia me avise imediatamente, entendeu?
- Sim, eu entendi, essa parte.
- E o mapa está com você?
- Sim, eu o peguei.
- No continente não se desvie do caminho, entendeu? Há muito mais monstros lá do que os livros podem descrever! Agora parta antes que perca a barca. Não perca seu dinheiro e nem seu grimório!
Gritou o mago de túnica púrpura enquanto o jovem mago se instalava na carroça carregada com sacolas e baús. Flippo olhou em volta e percebeu um ponto entre os arbustos, perto da estrada, onde poderia se esconder e tentar saltar na carroça sem ser percebido.
Porém, ao se movimentar, uma voz metálica soou ao seu lado repetindo sem parar: "INVASOR, INVASOR, INVASOR". Flippo deu um grito quando percebeu o que era, uma criatura triangular com olhos vermelhos reluzentes e braços e pernas finas parecendo molas retorcidas.
Quando ele se arremessou no chão de susto, o cajado do mago, de madeira e a ponta entalhada por ametistas encostou em seu rosto.
- Quem é você? E o que está fazendo aqui garoto franzino?
- Hey, espere eu conheço ele! Eu o vi na cidade do cais mestre! - respondeu o outro garoto ruivo descendo da carroça.
- Eu ouvi que estavam indo para Prystol e queria ir para lá, por isso vim até vocês... - respondeu Flippo.

- E o que pretende fazer em Prystol? - perguntou o mago ainda impondo o cajado sobre o garoto.

- Participar... do ... torneio. - respondeu Flippo em sussurros.
O mago elevou seu cajado, tirando-o da cara de Flippo.
- Humm, e o que o atrai nessa competição misteriosa?
- O... prêmio, senhor. - disse Flippo tentando se ajeitar, enquanto a criatura robótica movimentava-se sem parar em torno dele.
- Mas para ganhar o prêmio precisa ter habilidades especiais e quais habilidades tem?
- Eu... faço encantamentos... com a música senhor. - Flippo se encolheu quando o cajado voltou a apontar para ele.
- Mostre-me um encantamento, sem gracinhas menino ou poderá ser seu último acorde! - falou o mago com o cajado apontado para Flippo.
O menino tirou delicadamente a flauta de seu casaco e levou-a à boca. Começou a tocar algumas notas evasivas, sem nenhum resultado. Tomou o segundo fôlego e bradou mais forte suas notas, uma ave que repousava num galho próximo despencou no chão como um fruto maduro.
- Interessante... - respondeu o mago rodeando o garoto – vejo que suas vestes são muito nobres para ser da Cidade do Cais, mais interessante ainda seria descobrir quem o ensinou tais encantamentos no Clã Bedaür.
O rosto de Flippo corou.

- Mas, não temos tempo para isso. Você irá acompanhar Grunny, assim será uma cabeça a mais. Porém, – o mago tirou de suas vestes, por baixo da túnica um pequeno pedaço de pergaminho e lançou-o até a flauta de Flippo, o símbolo inscrito nele acendeu ao tocar o objeto e logo sumiu – seus feitiços não terão efeito nele, por precaução. Aliás, como é seu nome garoto?
- Meu nome é Flippo, senhor.
- Eu sou o grande mago anão Füe e esse é meu discípulo Grünnyer, vocês terão muito tempo para se conhecerem, agora terão que partir, senão perderão o barco. O mago se aproximou do discípulo e falou querendo abafar a sua voz.
- Qualquer coisa o transforme num esquilo, Grunny. - logo depois voltou sorrindo para Flippo.
O mago arruivado ergueu sua mão até o ponto extremo da figura robótica triangular e imediatamente ele se transformou numa pequena pedra do mesmo formato pousando na palma da mão do rapaz, ele, então, a jogou em um saco amarrado em sua cintura.
- Vamos, o sol está pra nascer.

Flippo se acomodou na carroça, jogando sua mochila na parte de trás e partiu com o jovem mago pela estrada, deixando a torre de ametista e seu mestre.

As Aventuras de Flippo e o Trinustempus Where stories live. Discover now