O avô de Flippo havia se retirado da mesa adentrando pela casa. Luci havia retornado e trouxe para Flippo um presente que havia ganhado de seus pais, duas bestas de mão com vários projéteis. Ela dizia não querer mais guardar recordações dolorosas e que as armas seriam de Anysia, a mãe de Flippo.
De posse do objeto e trazendo muita comida que a tia Helga havia embrulhado Otony e Flippo voltaram para a cabana, dessa vez passando por uma pequena porta pelo portão lateral que estava fechado de onde dava acesso para sua cabana. Flippo veio contemplando as armas em suas mãos e perdido em seus pensamentos, seu pai o acompanhava em silêncio.
Os dois adentraram na cabana e Otony jogou mais lenha na fogueira que estava quase se apagando. Flippo jogou as armas sobre sua cama e com a harpa em mãos olhou para seu pai.
- Pai.
- O que foi filho? - disse o homem sem se levantar.
- Sente-se em sua cama pai, quero tocar uma canção para o senhor.
- Está tarde filho, não é melhor irmos dormir?- Vai te ajudar a acalmar. - o peito de Flippo tremia como se seu coração fosse sair pela boca a fora, ele precisava se concentrar, senão seus planos estariam perdidos.
- Pronto filho. - disse a voz paternal.
Flippo, sem abrir os olhos, começou a melodia repetitiva e penetrante que havia aprendido, não parou até ter certeza de que havia tido sucesso. Só depois de algum tempo conseguiu olhar para o corpo de seu pai que estava estirado sobre a cama, adormecido.
- O senhor não me permitiria pai... vou sentir muito sua falta, mas eu preciso tentar... por nós... pela mamãe! - Flippo conversava com o homem inconsciente enquanto ajeitava seu corpo sobre a cama.Colocou a pele que o cobria e jogou mais lenha na fogueira. Reabasteceu a mochila com a comida que tinha ganho, arrumou um lugar para as novas armas e preparou-se para o frio e a solidão que o aguardava lá fora. Beijou seu pai na testa, imitando o gesto paternal e partiu.
Ao fechar a porta da cabana, tentando se acalmar e convencer-se de que estava fazendo o melhor, Flippo foi assaltado por um olhar prateado na escuridão.
- Mestre! O que está fazendo aqui?
- Não podia deixá-lo sozinho vagando pela floresta durante a noite. Os anões fecharam os portões da montanha a única passagem para Runetaun é pela encosta, vou te ajudar mais uma vez.
- Obrigado mestre, não sei como agradecer.- Vejo que entoou muito bem o feitiço do sono. - e estendo a mão com papiros enrolados, entregou a Flippo - Tome, fiz esses pergaminhos com mais melodias, creio que será útil à sua jornada.
Flippo ajeitou-os em sua mochila e partiu encosta abaixo com o drow. A floresta estava escura e cheia de barulhos novos que o pequeno aventureiro não conhecia. O drow conjurou uma chama azulada igual a que tinha em sua caverna e os guiou até a orla da ilha.
Foi uma longa caminhada por um local onde Flippo nunca havia estado. Chegando até a beira mar, o garoto se espantou ainda mais, quando o homem esguio revelou, por entre folhagens, uma canoa.
Em silêncio, o drow o levou até a ilha mais próxima. Foram mais de uma hora a remo, que Flippo não soube calcular com exatidão e quando se deparou com a situação refletiu que nem teria conseguido sair do próprio continente, se não fosse a ajuda do mestre.
- Agora é com você menino, não estarei mais por perto para te proteger.
- Nem eu. - brincou Flippo.Os dois deram as mãos e o menino desceu. O drow virou a canoa e voltou pelo caminho de volta, sumindo no mar.
Flippo via luzes acesas logo a frente contornando a margem do rio, a vegetação baixa e as árvores espaçadas permitiam uma visibilidade maior, bem diferente de Bedaürinde. Optou por não ir direto ao local e seguiu pelo entorno.
Quando passou pelo primeiro morro uma grande torre de ametista era refletida pela luz do luar há alguns quilômetros de distância as suas costas. Era a torre de magia, do anão transmutador.
"Os magos", recordou-se do encontro na cidade do cais, dias atrás.
Sem ser percebido seguiu até a torre. Ficou surpreso com o tamanho e o material que era feita, a base de rocha e a ponta de ametista pura, toda esculpida, com vários metros de altura.
Haviam tochas acesas na entrada da torre e um barulho de cavalos e passos próximos, no que parecia ser um estábulo. Flippo continuou a caminhar por entre as sombras, como seu mestre o havia ensinado e abaixou-se tentando decifrar a movimentação que ouvira.
- Grunny tem certeza que pegou tudo o que precisava?
- Claro mestre!
- E porque seu grimório está comigo?- Oh... eu... eu... está com o senhor? Muito obrigado.
- Não sei como ainda não se transformou numa lagartixa Grunny, de tão desatento que é! Agora preste atenção, você está indo para Prystol com a missão de descobrir o que Egoin está tramando, qualquer notícia me avise imediatamente, entendeu?
- Sim, eu entendi, essa parte.
- E o mapa está com você?
- Sim, eu o peguei.
- No continente não se desvie do caminho, entendeu? Há muito mais monstros lá do que os livros podem descrever! Agora parta antes que perca a barca. Não perca seu dinheiro e nem seu grimório!
Gritou o mago de túnica púrpura enquanto o jovem mago se instalava na carroça carregada com sacolas e baús. Flippo olhou em volta e percebeu um ponto entre os arbustos, perto da estrada, onde poderia se esconder e tentar saltar na carroça sem ser percebido.
Porém, ao se movimentar, uma voz metálica soou ao seu lado repetindo sem parar: "INVASOR, INVASOR, INVASOR". Flippo deu um grito quando percebeu o que era, uma criatura triangular com olhos vermelhos reluzentes e braços e pernas finas parecendo molas retorcidas.
Quando ele se arremessou no chão de susto, o cajado do mago, de madeira e a ponta entalhada por ametistas encostou em seu rosto.
- Quem é você? E o que está fazendo aqui garoto franzino?
- Hey, espere eu conheço ele! Eu o vi na cidade do cais mestre! - respondeu o outro garoto ruivo descendo da carroça.
- Eu ouvi que estavam indo para Prystol e queria ir para lá, por isso vim até vocês... - respondeu Flippo.- E o que pretende fazer em Prystol? - perguntou o mago ainda impondo o cajado sobre o garoto.
- Participar... do ... torneio. - respondeu Flippo em sussurros.
O mago elevou seu cajado, tirando-o da cara de Flippo.
- Humm, e o que o atrai nessa competição misteriosa?
- O... prêmio, senhor. - disse Flippo tentando se ajeitar, enquanto a criatura robótica movimentava-se sem parar em torno dele.
- Mas para ganhar o prêmio precisa ter habilidades especiais e quais habilidades tem?
- Eu... faço encantamentos... com a música senhor. - Flippo se encolheu quando o cajado voltou a apontar para ele.
- Mostre-me um encantamento, sem gracinhas menino ou poderá ser seu último acorde! - falou o mago com o cajado apontado para Flippo.
O menino tirou delicadamente a flauta de seu casaco e levou-a à boca. Começou a tocar algumas notas evasivas, sem nenhum resultado. Tomou o segundo fôlego e bradou mais forte suas notas, uma ave que repousava num galho próximo despencou no chão como um fruto maduro.
- Interessante... - respondeu o mago rodeando o garoto – vejo que suas vestes são muito nobres para ser da Cidade do Cais, mais interessante ainda seria descobrir quem o ensinou tais encantamentos no Clã Bedaür.
O rosto de Flippo corou.- Mas, não temos tempo para isso. Você irá acompanhar Grunny, assim será uma cabeça a mais. Porém, – o mago tirou de suas vestes, por baixo da túnica um pequeno pedaço de pergaminho e lançou-o até a flauta de Flippo, o símbolo inscrito nele acendeu ao tocar o objeto e logo sumiu – seus feitiços não terão efeito nele, por precaução. Aliás, como é seu nome garoto?
- Meu nome é Flippo, senhor.
- Eu sou o grande mago anão Füe e esse é meu discípulo Grünnyer, vocês terão muito tempo para se conhecerem, agora terão que partir, senão perderão o barco. O mago se aproximou do discípulo e falou querendo abafar a sua voz.
- Qualquer coisa o transforme num esquilo, Grunny. - logo depois voltou sorrindo para Flippo.
O mago arruivado ergueu sua mão até o ponto extremo da figura robótica triangular e imediatamente ele se transformou numa pequena pedra do mesmo formato pousando na palma da mão do rapaz, ele, então, a jogou em um saco amarrado em sua cintura.
- Vamos, o sol está pra nascer.Flippo se acomodou na carroça, jogando sua mochila na parte de trás e partiu com o jovem mago pela estrada, deixando a torre de ametista e seu mestre.
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As Aventuras de Flippo e o Trinustempus
AdventureHá quase um ano do desmoronamento que soterrou sua mãe nas minas anãs de Bedaürinde, Flippo toma conhecimento de um torneio que tem como prêmio viajar no tempo. Instigado pela lembrança da mãe, o pequeno parte rumo à essa aventura. Na companhia do...