4. Novas escolhas...

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Flippo chegou em casa bem depois de seu pai, que o aguardava ansioso. Estava arrumando tochas para descer à floresta a sua procura. O garoto então contou o que tinha ido fazer, o que o tranquilizou e cansados pelas atividades do dia, logo adormeceram.

No outro dia, antes do amanhecer, Flippo sentiu o beijo em sua testa que seu pai dera antes de sair para o trabalho, que o fez despertar.
- Já está indo pai? - disse com a voz sonolenta.
- Você acordou? Estou indo, amanhã teremos o dia de folga por causa das homenagens.
- Ah... vou aproveitar para treinar a canção.
- Que bom filho, podemos passar o dia juntos também. Já vai se levantar?
- Sim, quero resolver umas coisas e praticar.

- Tome cuidado na floresta, eu volto ao entardecer.
- Pode deixar e bom trabalho pai.
- Obrigado.
Logo, Flippo já estava pronto com os materiais de caça e com a harpa escondida em suas vestes, queria muito mostrá-la ao seu mestre. No caminho até a gruta ficou querendo conferir o quanto ela podia ser eficiente e, lembrando das palavras de seu treinador, teve receio em não estar apto.

Mas, por teimosia ou instinto resolveu usar o novo instrumento ao invés da antiga flauta.
A música soou bem mais estridente ao dedilhar as cordas, procurando conhecer o instrumento. Flippo então se concentrou e começou a tocar as notas com sua emoção característica, algo de melancólico e rítmico. Os ruídos a sua volta se silenciaram ele não percebeu até onde sua música se projetava, apenas continuou tocando.
Antes mesmo de terminar a canção, seu coração disparou pelo barulho grave que o fez despertar do transe. Um rugido bem próximo, parecia um felino, quando abriu os olhos percebeu o tigre branco adulto a sua frente, tomando posição de ataque, com os dentes a mostra. Por um momento, Flippo hesitou a canção e tentou se afastar, mas o bicho estava no seu encalço, qualquer movimento brusco e ele atacaria.
Não conseguiria trocar de arma, o jeito era continuar tocando. Vários animais menores, que haviam sido atraídos pela música, fugiram do local o que fez o animal se distrair de Flippo, ele então aproveitou o momento e dedilhou as notas que havia treinado junto com seu mestre no riacho.
O animal voltou seu olhar para o menino e foi se aproximando, Flippo pela primeira vez tocava com os olhos abertos, com tanta convicção e persistência, como se fosse sua última canção. Seu corpo estava quente e suado naquelas roupas de pele, porém seus dedos continuavam firmes e ágeis não errando uma nota.
Quanto mais o tigre se aproximava, mais seus olhos pesavam demonstrando que ele estava entrando no encantamento. Flippo começou a se mover por entre as árvores, sendo seguido pelo animal cambaleante. Ele estava na terceira repetição da música, quando uma forma negra e veloz saltou sobre o tigre degolando-o com uma lâmina escura brilhante.
Era o drow.
- Tolo! Como você acha que conseguiria matar esse animal? - disse o mestre com a mão ensanguentada.
Flippo estava pálido, respirando ofegante, soltando os dedos do novo instrumento, enrijecidos.
- Mestre... obrigado... eu quis testar essa harpa que comprei dos gnomos.
- Isso é um sinal de precipitação Flippo! A floresta está cheia de animais e monstros vorazes, se você não estiver preparado você pode ser a caça, tão frágil quanto os esquilos que captura.
- Desculpe mestre, eu agi sem pensar...
- Agora já foi, vamos aproveitar o couro desse animal, venha você vai fazer o abate dessa vez. - o drow entregou a adaga para Flippo, que não soube como reagir.
- Mas, eu mestre?
- Sim, se você está pronto para caçar deve estar pronto para limpar. Ande!
Os dois permaneceram por horas, separando o couro da carne e tirando as partes proveitosas do animal. Flippo manuseava com muito cuidado a adaga élfica que tanto apreciava, ela era indescritível, parecia deslizar como se estivesse cortando seda. Se ele não tivesse habilidade com as mãos, com certeza, teria se cortado.
Flippo aprendeu sobre os cortes e alguns órgãos, o que seria útil se continuasse a caçar e sustentar sua casa no futuro. O mestre não permitiu com que ele levasse o animal consigo porque seria muito suspeito que ele tivesse feito tudo aquilo sozinho, especialmente com os recursos que possuía. O desprazer do elfo ficou ainda maior quando o menino cortou o couro ao meio ao extrair do animal, o que não daria para aproveitar para muita coisa, teria que costurar os retalhos.
Os dois levaram tudo para a caverna do drow, que separou tudo para si, sem falar com o menino.
- Mestre, estou pensando em fazer uma viagem.
- Para onde?
- Para Prystol.
- Por que tão longe?
- Você conhece lá? - perguntou Flippo se animando.
- Só as cavernas subterrâneas que vão até lá, meu povo não se aventura muito pela superfície, como deve saber.
- Sim... - Flippo ficou pensativo sobre a afirmação do mestre, mas sabendo que não teria respostas sobre o porque dele estar vivendo na superfície desde que o encontrou, resolveu nem insistir - ontem, quando estava na cidade do cais, dois magos surgiram anunciando um torneio.
- Que tipo de torneio? - o drow continuava de costas para o menino, ainda mexendo com a carne.
- Um torneio de habilidades, mas o que mais me intrigou foi sobre o prêmio.
- E qual era o prêmio?
- Uma viagem no tempo. Você sabe se isso é possível?
O drow levantou-se com a carne embrulada e a enterrou num buraco no chão. Logo, em seguida, ainda em silêncio, sentou-se a frente de Flippo.
- Eles disseram quem está promovendo esse torneio?
- Sim, um mago chamado Egoin.
- Pode ser que seja verdade. Mas uma magia ou item que faça isso é muito raro e não seria um simples torneio de habilidades a permitir ganhar um prêmio desse, acho que não deve ser só isso.

O menino silenciou-se por um instante.
- Há uma balsa que partirá de Runetaun daqui dois dias para lá, eu irei descobrir se é verdade.
- E seu pai, o que diz?
- Eu ainda não contei para ele... acho melhor assim.
- Você já está no tempo de tomar suas próprias decisões Flippo, embora ainda esteja imaturo para algumas delas.
- Por que você diz isso, mestre?
- Veja o caso de hoje que foi apenas com um tigre, o caminho para Prystol tem florestas, ladrões e todo tipo de perigos, como acha que vai enfrentá-los?
- Ainda não sei ... - respondeu cabisbaixo. - mas eu preciso tentar! - seus olhos lacrimejaram embalados pela lembrança de sua mãe, qualquer possibilidade de estar com ela novamente o motivava a se arriscar.
- Está bem Flippo, te desejo boa sorte no caminho. Com isso não posso mais prosseguir com o nosso treinamento. A viagem leva muito tempo e eu já paguei a dívida que tinha com você. De agora em diante será cada um por si.
Flippo enxugou o nariz e secou as lágrimas nas mãos, ficou de pé em frente ao seu companheiro diário dos últimos meses.
- Eu agradeço mestre, por tudo que me ensinou, vou procurar honrar e seguir os seus conselhos.

Também ficando em pé, o grande homem pronunciou:

- Como seu tutor, eu lhe transformo em um guerreiro, com suas armas e música que haja sempre a batalha a lutar e a vitória a aclamar.
Com os braços estendidos a frente do garoto ele ofereceu sua adaga.

- Tome-a, como o reconhecimento de seu mestre!
De olhos estalados, Flippo sabia que aquilo era um adeus e que precisaria de todos os recursos que pudesse obter para sua nova jornada. Procurando silenciar suas emoções, guardou a adaga em sua bainha e acenou com a cabeça para o mestre drow.

As Aventuras de Flippo e o Trinustempus Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora