3. O anúncio do concurso e o trinustempus

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O garoto voltou à sua cabana com as mãos cheias de comes e guardou tudo que tinha recebido, contemplando os detalhes entalhados na caixa de madeira, feitos por sua mãe. Tudo o encantava e ele começava a se perguntar se ela também preferia a companhia das árvores do que das rochas, como ele.
As lágrimas voltaram a cair de seu rosto, mas ele logo as enxugou.
Imaginando uma forma de incrementar sua homenagem, agora com os recursos recebidos, olhou para a janela e viu que ainda tinha algumas horas até o anoitecer, então abriu o baú com a chave e tirou algumas moedas de ouro para si, antes de escondê-lo embaixo de sua cama.
Saiu com pressa em direção à vila, novamente, e foi para a porta principal, que levava para a cidade portuária. Por sorte, encontrou uma caravana que se dirigia para lá, e, por algum trocado, se uniu a carroça puxada por bisontes.
Depois de quase uma hora, Flippo desceu na cidade do cais de Bedaürinde. Ao lado esquerdo haviam os enormes cascos que transportavam os minérios para os navios exportadores que saiam de lá para o resto do mundo. Na parte ocidental, a população que lá vivia se sustentava pelo comércio e lazer, haviam tavernas, lojas e tendas, a maioria das construções eram dispostas em sobrados e casas de madeira.
A população não era muito diversificada, nem os anões eram tão nobres quanto os de seu clã. Haviam muito poucos humanos e uma crescente população de gnomos. "Uma praga" como falava seu avô.
Flippo conhecia alguns lugares, especialmente as tavernas onde havia tocado em noites festivas após grandes carregamentos de minérios. Mas, essa não era sua intenção naquela tarde, foi até as tendas suspensas, uma pequena feira de objetos produzidos pelos gnomos.
Algo em particular havia chamado sua atenção.
E na tenda de utensílios, Flippo foi surpreendido por uma criatura mais baixa e magra que ele, de pele escura arroxeada. De olhar aguçado e mãos sorrateiras, o pequeno homem parou ao seu lado contemplando a qualidade das vestes do rapaz, que aparentavam bem melhor que as suas.
Flippo sabia da esperteza desse povo e se não se cuidasse teria que gastar tudo o que tinha para comprar o que queria, mesmo que não valesse o preço. Ele começou a vasculhar as pequenas adagas e flautas de madeira.
- Essas flautas são de mogno? - perguntou o menino.
- Com certeza senhor, vejo que tem apreço pelos instrumentos. Já as toca?
- Alguma coisa...
- Um jovem com conhecimento musical, isso é raro por aqui, geralmente as vendo para os bandoleiros da taverna se se interessar tenho outras de materiais bem mais raros e preciosos. - falou o pequeno enquanto esfregava uma mão na outra.
- Não, ainda não tenho certeza se é esse o instrumento. O que mais tem?
- Temos tambores e instrumentos de corda, como esse bandolim.
- Hum, vejo que tem harpas também, devem ser bem caras. De quais materiais têm?
- Temos essas mais simples de madeira, algumas de chifres de cervo e outras de ferro e ossos.
- Qual costuma vender aos cancioneiros?
- Ah... para um cancioneiro quanto mais rara melhor.
- Posso ver aquela de chifre?
- Claro, aqui está.
Sem esconder seu talento e a vontade ardente de tocar aquele instrumento, Flippo dedilhou algumas notas aleatórias e logo em seguida a canção que treinava com seu mestre, a que fazia adormecer.
O vendedor foi ficando sonolento, seus olhos começaram a pesar e ele foi adormecendo. Antes de pegar no sono, ao lado de fora da tenda, um barulho ensurdecedor chamou a atenção dos dois, fazendo o encantamento cessar. Foram disparados no ar fogos de artifício, por dois homens de túnicas pretas com um desenho de uma rosa vermelha no peito.
- VENHAM TODOS! AVENTUREIROS, GUERREIROS E PESSOAS COM TALENTOS ESPECIAIS. - enquanto repetiam a frase, algumas pessoas se aglomeravam ao redor deles.

- OUÇAM NOSSO CONVITE: o nobre mago Egoin, da cidade de Prystol, irá formar um torneio nunca visto antes! Aqueles que conseguirem se destacar por seus talentos ganharão um item mágico raro! - um enorme zumbido se fez entre os ouvintes.

- Sim, meus caros, não será apenas um vencedor, mas quantos conseguirem se destacar.
- E qual é o prêmio? - gritou um dos expectadores todo sujo de carvão.
- Sim, o melhor de tudo, o prêmio! O prêmio será um item mágico, um Trinustempus.

- E pra que serve isso? - perguntou uma anã de avental, seguida por sussurros.

- Acalmem-se! Esse é um maravilhoso item que permite viajar no tempo!

A promessa de viajar no tempo sacudiu as lembranças de Flippo, imediatamente ele foi transportado para sua cabana, em seus pensamentos, recordando quando sua mãe o acordava com chá e bolachas preparadas por ela, quando ela cuidava da casa e ele brincava no jardim, quando eles iam patinar no lago congelado abaixo da vila anã.
O murmúrio das pessoas ao redor dos encapuzados trouxe Flippo para a realidade, sendo questionados sobre a integridade do prêmio.
- Nosso mestre não brinca com sua oferta! - respondeu um deles de forma bastante ríspida.
- Se quiserem conferir o que estamos falando venham para Prystol até antes do inverno e constatarão a verdade!
Depois de proferidas as palavras os dois magos acenaram suas varinhas e desapareceram do lugar, deixando cair alguns panfletos no chão.
Com o coração acelerado e os pensamentos a mil, Flippo propôs ao vendedor:

- Pago duas moedas de ouro nessa harpa!
- Hummm.... Feito. - respondeu o gnomo depois de calcular mentalmente seu lucro.
Flippo entregou o dinheiro e pôs o instrumento embalado em seu casaco. Saiu da tenda e correu para o local onde os anunciantes haviam desaparecido, os panfletos eram abandonados no chão e as pessoas começavam a se dispersarem.
Quando pegou um em suas mãos havia uma rosa vermelha igual a que estava na túnica dos magos e no outro lado um convite:


"Venha para Prystol, mostre-me suas habilidades únicas e eu o premiarei com uma viagem no tempo! Assim como o tempo, essa oportunidade não volta! Egoin, o mago"


- O que esse farsante estará tramando dessa vez?

- Não sei mestre, por que o chama assim?
Um anão robusto com uma túnica púrpura e cabelos castanhos trançados, muito compridos, conversava com um jovem gorducho ruivo aloirado, com bochechas sardentas e túnica azul, com vários pacotes de ervas na mão se chacoalhando todo parecendo querer se coçar sem poder, por ter as mãos ocupadas.
- Egoin não anunciaria um torneio desses sem segundas intenções. Depois que ele foi banido da ordem dracônica ele começou a agir por si só, um disparate! Uma viagem temporal é muito rara e também muito arriscada, a ordem nunca permitiria isso. Grunny estou tendo uma ideia, vou te mandar para esse torneio!
- Eu, eu...?! Mestre. - disse o garoto jogando todos os embrulhos pelo chão.
- Sim, é uma ótima oportunidade para testar suas habilidades e desvendar o que esse mago de circo está tramando com esse torneio.
O mago anão estava de costas, enquanto Flippo ajudava o jovem e alto rapaz ruivo a recolher os itens esparramados. O garoto olhava aflito para que o mestre não visse o que tinha acontecido e curvou a cabeça agradecendo a ajuda de Flippo quando terminaram de recolher tudo.
- A próxima embarcação partirá de Runetaun daqui três dias, vou te enviar para o continente com ela! Ah e vamos embora desse lugar, esses gnomos já tiraram tudo de mim, até minha paciência! Vamos Grunny!
O anão de túnica púrpura saiu sem olhar para trás.
- O-obrigado! - gaguejou o menino gorducho para Flippo e saiu correndo tropeçando em suas vestes, equilibrando os maços em suas mãos, para não caírem de novo.

As Aventuras de Flippo e o Trinustempus Where stories live. Discover now