Eu estava confuso

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_Por que você só usa preto? – perguntei, eu me sentia mais seguro de perguntar algo assim sem ser evasivo. Mas ainda assim descobrindo algo dele, o que realmente não era fácil e não acontecia tão facilmente.

_Eu gosto de preto... – respondeu simples, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Ok, eu gosto de azul, mas todas as minhas roupas não são azuis. Antes que ele pudesse me fazer uma pergunta, continuei.

_Mas... Só preto? – indaguei e pela sua expressão de leve desconforto percebi estar sendo impertinente. Ele comprimiu os lábios numa linha fina e falou em seguida.

_Um amigo disse que fico melhor assim – Sua voz se tornou abatida ao falar a palavra "amigo". Mesmo que já tivesse percebido que estava o incomodando, me senti curioso o bastante para perguntar.

_Os que vão ao acampamento? – Ele deixou de me olhar e baixou a cabeça parecendo pensar, mas pensar em que? Era só responder sim ou não.

_Já foram três perguntas - Ergueu a cabeça e disse com leve tom de vitória, formei um bico emburrado involuntariamente e o esperei formular uma pergunta. Ele desviou o olhar de mim novamente e encarou o banco à sua frente. Ele soltou um suspiro pelo nariz – Você gostaria de curar alguém? – Novamente ele começara com os significados ocultos. O que ele queria dizer com isso afinal?

_Curar? – Ele assentiu, mas curar em que sentido, com relação a que? Que tipo de doença afinal de contas? – Curar o que exatamente? – indaguei o vendo sustentar o olhar perdido para o nada por alguns segundos antes de desvia-los para a janela.

_Curar uma pessoa, ajuda-la - explicou dando de ombros como se fosse algo tão simples quanto uma gripe ou um resfriado, mas então completou – Algo psicológico, esquizofrenia... Depressão... – Intriguei-me com suas palavras, seria esta a afirmação de que seus desenhos e letras são, de fato, depressivos? Ou aquilo era uma duvida corriqueira. Talvez apenas uma forma diferente de perguntar se "Você tem compaixão ou preconceito?".

_Não sei... Ajudar alguém que tem alucinações? Como eu poderia fazer isso? Leva-la ao psicólogo talvez? – Ele soltou uma risadinha rouca e sem-graça, me fazendo parar de falar para observa-lo. A resposta estava errada?

_O certo seria leva-la ao psiquiatra, não psicólogo MinGyu – explicou sem me olhar, perguntava-me como era possível ele falar tudo de forma tão estranha, tão experiente com certas coisas tão incomuns. A voz quase como se dissesse que não queria estar ali, como se nem estivesse ali de verdade. Apenas fisicamente – Psicólogos fazem terapias, psiquiatras cuidam de gente com problemas psicológicos. Mas não terminou de responder... – Pensei um pouco antes de falar qualquer coisa, intrigava-me saber que mesmo conseguindo me aproximar dele era visível que ele ainda estava bem distante.

_Curar alguém com depressão? – indaguei mais para mim mesmo olhando para frente para conseguir me focar apenas em meus pensamentos. Eu nunca havia parado para pensar em algo assim, eu raramente sequer parava para pensar em qualquer coisa complexa dessa forma. Principalmente sobre algo sério dessa maneira, como uma doença psicológica. Ainda mais depressão – Claro que gostaria, mas... – Ele se virou para mim, seus olhos vazios com um toque de algo que eu poderia dizer parecer-se com expectativa – Como?

_Não sei... – Virou-se para a janela mais uma vez, observando a cidade aos poucos tornar-se de selva de pedra à selva com árvores e terra – Nunca conheci alguém que tivesse algo do tipo... – divagou deixando as palavras no ar para que eu entendesse de alguma forma que em sua mente era lógica. Mas para mim não fazia absoluto sentido nenhum.

"_Então... Por que me perguntou?" Era o que eu queria perguntar, mas achei invasivo e pessoal de mais então me mantive calado com relação a isso. Sentia-me um idiota por ter feito perguntas tão idiotas sendo que eu poderia ter perguntado algo bem mais útil. Ao invés de continuar me culpando mentalmente por ser um idiota, resolvi voltar a conversar com o garoto.

_Ainda falta uma pergunta sua – falei baixo, o fazendo retirar um de seus fones e me olhar confuso, repeti a pergunta e ele assentiu retirando os fones novamente. Estava tão distraído que mal percebera que ele havia os colocado. O mesmo se virou para mim parecendo falar ainda mais longe dali do que antes.

_Sabe desenhar? – Neguei apenas, o fazendo cerrar os olhos de leve por uma fração de segundo. Ele colocou os fones como uma forma de dizer que o assunto havia morrido ali de qualquer forma mesmo. Suspirei tentando entender aquilo tudo, jamais imaginei que me aproximando dele as coisas apenas se tornariam ainda mais confusas do que antes.

WonWoo era complicado. Complicado, misterioso, confuso e... Viciante.

Cheguei àquela conclusão com a passagem de tempo de pouco mais de meia hora quando pude sentir uma leve alteração de peso em meu ombro, quase imperceptível. Mas ao mover-me deliberadamente pouco percebi ser Jeon WonWoo ali adormecido e com seu corpo encostado ao meu. O garoto, mesmo que não estivesse totalmente sobre mim tinha um peso absurdamente leve. Talvez uma pluma pesasse mais.

O observei descansar sem nenhuma expressão no rosto, sereno e em paz. Como se nenhum problema ou pensamento o assolasse. Apenas a gostosa inconsciência do sono e possivelmente algum sonho. Passei tanto tempo preso àquela expressão, àquela face, que quando me dei conta já havíamos chegado ao acampamento e já eram por volta das três da tarde. Suspirei e esperei que todos saíssem do ônibus ainda admirando a face adormecida do menor para pedir para levar WonWoo no colo para a nossa cabana por ele estar cansado. Por sorte o senhor Park concordou e me guiou pelo acampamento até uma área com várias casas minúsculas que provavelmente seriam as cabanas.

Ele perguntou meu nome e o nome de WonWoo e nos levou ate uma das barracas me avisando para decorar o numero. 17. Fácil.

A cabana era pequena, mas era o suficiente para duas pessoas. Coloquei WonWoo em uma das camas, a mais próxima da janela para que ele pudesse tomar um ar e não ficar tão sufocado com a miniatura de lugar. Mal senti a diferença de quando o mesmo estava em meus braços e de onde ele estava depois, sobre o colchão. Ele de fato era muito leve. E pude perceber também que por trás dos moletons e suéteres pretos, magro, talvez até mesmo excessivamente.

Deixei o menor descansar ali e saí para conversar com os garotos, e dar uma palavrinha com JeongHan para ver se ele me responderia dessa vez quem eram aqueles garotos. Talvez eu até arriscasse falar com eles.

O garoto estranho que usava pretoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora