Eu nao sou isso tudo

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(narrado por Jeon WonWoo)

Apenas contemplava o silencio, presenciava e o sentia. Eu preferia daquela forma, o vazio do silencio daquela escola era melhor que os sons de choro de minha mãe em casa. Clamando pelo descanso da dureza de meu pai. Eu não gostava de vê-la sendo maltratada e agredida pelos motivos idiotas que meu pai empunhava como regras sem sentido. Mas havia aprendido da pior maneira que se tentasse o impedir apenas pioraria tudo.

Afinal, porque ele tinha tanta raiva de nós?

Ele é meu pai, o certo não seria que ele cuidasse de mim e de minha mãe? Ao invés disso ele nos maltrata, trata minha mãe como empregada e a obriga a transformar aquele barraco imundo que eu chamo de casa em algo reluzente. A transformar a mixaria que ele entrega a ela em comida, fazendo as vontades dele do modo dele. E se nos conceitos doentes dele algo não ficasse bom ele a agredia.

Eu queria tanto ajudar, tentar conseguir um trabalho para ao menos ajudar nas despesas da casa ou para poder comprar comida, qualquer coisa. Minha mãe não merecia aquilo, e eu sempre me sentia tão inútil, inócuo e medíocre.

Quanto ao que ele fazia comigo? Ele apenas me batia quando sentia vontade e já tinha se cansado dela. Eu até hoje não sabia o motivo. Mas, pensando bem, em meio a lembranças talvez eu pudesse encontrar um provável motivo de ele me odiar. Homofobia. Certa vez, em meio a uma crise, Hannie havia ficado preocupado o bastante para me levar para casa. Ao chegarmos, quando eu já estava na porta pronto para abri-la, ele me abraçou.

Ficamos ali por alguns momentos, naquele abraço de consolo que eu tanto precisava. Após algum tempo ele se despediu de mim com deixando um leve selar em minha testa e uma promessa de que tudo ficaria bem. E disse que qualquer problema era só ligar.

Meu pai me bateu, muito. Três palavras: cabo de aço. Muito resumidamente: não consegui me mover para sair da cama por duas semanas. É lógico que não contei a Hannie hyung, ele ficaria preocupado e eu não queria preocupa-lo com coisas fúteis. Então apenas lhe disse que havia ficado doente durante este tempo.

E estava cansado daquilo, cansado de me sentir inútil, de ser inútil. De ouvir meu pai e temer que ele resolvesse me bater. De escutar sua voz reclamando da vida que tinha, escutar ele batendo nela. Estava cansado de esquecer a porta destrancada, um convite para que ele me batesse também.

Estava cansado da vida.

Eu queria morrer.

E apesar de sempre tentar, eu nunca conseguia ir muito além com isso. Eu sempre me lembrava das palavras confortantes e cheia de carinho de JeongHan hyung, dizendo que ficaria triste se eu de fato partisse. Eu me sentia mal por isso, não queria magoa-lo.

Eu era apenas um garoto medíocre, tão literalmente que doía. Eu não tinha e nem merecia nenhum reconhecimento por nada. Nunca fizera nada na vida, nunca conseguira ajudar minha mãe com nada. Nunca tirara notas ruins, mas nenhuma delas era excelente também. Era apenas um adolescente que com sorte morreria logo ou pelos cortes ou nas mãos de meu pai.

Eu era invisível aos olhos de qualquer um no mundo, para o mundo, não, não apenas invisível, mas uma sombra. Eu era uma sombra no mundo de escuridão que espreitava porta afora.

Eu não era nada.

O garoto engraçado do dia anterior adentrou a sala, antes de todos novamente. Desta vez seu olhar não caiu sobre mim, ao menos não antes de ir ao seu lugar quase ao fundo da sala. Não o segui com o olhar, não me incomodei em virar-me para vê-lo. Eu não o conhecia, não conhecia ninguém ali além de JeongHan, e sinceramente, eu não sabia se queria que continuasse dessa forma.

Ter apenas o Jeong é bom, eu não preciso de me incomodar em explicar nada a ele por ele já saber da minha situaçao. Ele me entende e não precisamos de muitas palavras para nos comunicar, o que me agradava. Eu havia me acostumado com ele. E se eu partisse e o magoasse, ele agora teria alguém para consola-lo a julgar pela forma que ele falou daquele garoto, que aparentemente ele tem ajudado com a materia de ingles. Mas por outro lado, tem momentos que parece que ficar sozinho não e a melhor das opções. Às vezes eu gostaria de mais alguém que me entendesse, mais alguém que se comunicasse comigo com poucas palavras e entendesse. Sabe? Alguém para deixar tudo de lado e conversar, desabafar.

JeongHan hyung já sabia de tudo _ ou quase tudo _ da minha vida. Um desabafo para ele seria como a reprise de um programa de televisão antigo na qual já se sabe as falas de cada personagem de cor e salteado. Mas afinal, quem gostaria de ser amigo ou minimamente conversar com alguém como eu? Alguém tão sem-graça, tão... Eu.

O garoto passou por mim, como sempre, sem me olhar, eu não entendia. Por que todos me evitavam? Novamente estava imerso em pensamentos, submerso de forma tão profunda que não reparei quando o garoto voltou e parou ao meu lado e ficou olhando para minha mesa, observando o desenho incompleto que eu havia começado ha pouco mais de um dia. Um desenho que eu ainda tentava compreender. Ainda tentava compreender por que eu havia decidido desenhar um anjo com rosto desta vez. Não esperei que o garoto falasse nada e fosse embora, mas fui surpreendido por sua voz.

_ Você desenha bem.


O garoto estranho que usava pretoWhere stories live. Discover now