DIMITRI

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       Tomo um gole de café e despejo a xícara no móvel de magno altamente polido, feito por uma das maiores indústrias de madeira deste país. É de se esperar que um tipo de madeira altamente refinada esteja em meu quarto, é o que mereço pelo meu esforço árduo executando o jogo, cuidando dessas crianças mal-educadas e perdendo fios de cabelo com meu estresse acumulado. Se eu ficar com uma ruga sequer em meu rosto, um deles vai perder um braço, isso é certo. A madeira macia combina comigo e me deixa mais rico e muito bem apresentável nos vídeos. Acho digno. Levo o café à boca mais algumas vezes, tomando goles pequenos do líquido que esquenta minha garganta nessa noite fria. Ando para um lado e para o outro com as mãos atadas nas costas, de vez em quando dou uma pequena olhada no espelho para lembrar a mim mesmo o quão bonito e charmoso sou. Aprecio o perfeito formato do meu maxilar e o toque de sutilidade que ele dá ao meu rosto e minha beleza exuberante.

Estou entediado, desligo a TV do quarto já que nada de interessante está acontecendo no jogo. É um pouco tarde da noite, e nessas horas nunca acontece nada, todos devem estar dormindo, ou pelo menos tentando. Está escuro, silencioso e altamente tedioso. Sopro a pequena franja que cai sobre um lado da minha testa, penso no quão divertido seria criar um desafio surpresa para deixar a minha noite mais animada, porém não acho que devo ser tão malvado assim. Eu consigo ser um bom garoto, digo para mim mesmo penteando meu cabelo e dando beijinhos para o espelho. Sorrio.

Pelo menos quando quero ser.

Quando penso que minha noite não pode ficar mais entediante, Mingau aparece com seu andar abobalhado e o rabo dançante. Mingau é meu gato de estimação, o que não parece ser verdade pois sempre finge que não existo toda as vezes que entra em meu quarto. Seu olhar sempre cansado e a maneira como ele apenas lambe a pata e passa o dia inteiro deitado é contagiosa, me deixa com tédio instantaneamente. Ele sobe em cima da minha cadeira ignorando completamente minha existência e senta como se fosse um rei, a mesma cadeira que uso para gravar todos os vídeos e fazer as transmissões do jogo. Penso em retira-lo dali, mostrar que é o meu lugar e que ele não deve se apropriar disso, mas dou de ombros, ele não merece toda essa minha atenção. Este pequeno gatinho cinza já está comigo há anos, e ainda assim parece não gostar de mim.

Não fico surpreso, quase ninguém gosta.

Desde pequeno sempre fui excluído das conversas pelos corredores das escolas, dos trabalhos em grupos realizados em salas de aula e de praticamente tudo o que envolvia pessoas interagirem comigo. Era difícil, não sei se era porque sempre fui rico e o fato de não precisar de ninguém para nada talvez assustasse a todos, ou talvez porque desde pequeno sempre fui bonito e minha beleza intimidava as pessoas, talvez as deixassem com vergonha. O verdadeiro motivo não sei, pelo menos não sou capaz de enxergar. De qualquer forma, isso nunca importou nem deve importar agora. Olho mais uma vez para o meu reflexo no espelho para me lembrar de que sou bonito, tenho riqueza e poder e nada – literalmente, nada – é mais importante do que isso.

Meus ombros estão cansados, passar o dia inteiro de frente para câmeras vigiando cada um dos passos de meus jogadores é, no mínimo, cansativo. É o segundo ano consecutivo que meu pai me deixou tomar conta dos jogos, é uma responsabilidade muito difícil de se carregar nas costas, mas creio que estou fazendo um bom trabalho. Exceto por alguns rebeldes que abriram pequenas brechas na segurança e estão tentando invadir o nosso sistema, mas isso não é culpa minha, eles são um risco muito grande e precisamos continuar à procura deles. Enquanto nossos enviados se encarregam disso, durante o jogo aumentamos a segurança da arena em quase oitenta por cento e é praticamente impossível alguém escapar ou ser resgatado por alguma passagem secreta. Ao menos que tenha alguém infiltrado, e se acontecer de novo essa é a única resposta para essa dúvida.

A CAÇA - OS ESCOLHIDOSWhere stories live. Discover now