A CAÇA - OS ESCOLHIDOS

HIAGO

       Estou surpreso.

Não surpreso de alegria, mas de terror, meus olhos estão arregalados e perdidos o tempo todo e nada poderia me surpreender mais do que isso. Como mágica, o irmão de Ariel aparece no jogo carregando uma maldição para ele e sua irmã: nós temos que matá-lo. Os jogadores têm dez horas para realizar a missão do dia, e o sortudo que conseguir fazer isso recebe o prêmio. Isso é doentio, por isso é exatamente algo que eles fariam.

Como não pensei nisso antes?

Não consegui encarar o irmão dela por mais de um segundo, é difícil. Nunca o vi antes, no entanto, todas as vezes que o ouço falar ou sequer vejo seu corpo em meu campo de visão, é inevitável não pensar que eles podem fazer o mesmo comigo. A primeira coisa que vem em minha cabeça são as pessoas que amo passando pelo mesmo que ele e isso me causa arrepios. Esse pensamento perpetua sobre minha cabeça como uma nuvem sombria esperando o momento de fraqueza para causar uma tempestade em minha mente, e eu não posso permitir que isso aconteça, não posso deixar os demônios vencerem.

Não de novo.

E o pior de tudo, ele apareceu com uma notícia tristemente pesada como essa. Ariel grita, chora e soca a parede do quarto pequeno e não posso fazer nada, apenas assisto a cena agonizante e que me causa arrepios nem um pouco positivos. Simplesmente não sei o que dizer, eu sinto tanto por ela, queria poder abraça-la e dizer que tudo vai ficar bem; mas eu estaria mentindo, porque nada ficará bem. Não enquanto estivermos presos como pássaros grandes nessa jaula tão pequena. Não enquanto ainda formos vítimas desse jogo imbecil que insiste que nós lutemos por coisas que não queremos. Não enquanto isso existir. Então eu simplesmente fico parado em meu lugar, e deixo que Tadeu – o seu próprio irmão – faça esse trabalho por mim, ele é a pessoa mais adequada para fazer esse trabalho em um momento tão delicado como esse. Porque ambos sabem o que o outro está sentindo e se entendem da mesma forma.

Após ter uma crise de choro por vários minutos, Ariel finalmente se recupera. Admito que foram os minutos mais agonizantes de minha vida, cada segundo pareciam minutos e cada minuto pareciam horas e o som de fundo de seus soluços e as lágrimas pesadas que caiam de seus olhos não ajudavam nem um pouco. Minha amiga faz perguntas, e Tadeu responde todas na medida do possível, e não posso deixar de ficar sentido com o que aconteceu. Sua mãe morreu de um ataque cardíaco após saber que a filha desapareceu, ela não foi forte o suficiente para aguentar outra perda. Depois do marido, ter sua filha levada – ainda mais pelas mesmas pessoas – foi demais para minha parceira.

Eu sinto tanto, tanto por ela.

Depois de ficarmos uma hora aqui dentro, decidimos que não podemos ficar aqui para sempre. Caso contrário, eles iriam fazer com que os outros jogadores nos encontrassem, e isso é a última coisa que queremos agora. Tadeu abre a porta primeiro e vai na frente, Ariel enxuga as lágrimas antes de sair e dou um pequeno abraço nela, segurando sua mão quando sussurro as seguintes palavras em seu ouvido.

— Por favor, não se culpe, você se cobra muito e já tem fardos demais para suportar. Se tiver que culpar alguém por isso, culpe a eles.

Ela apenas acena com a cabeça positivamente, chorosa, e dou um beijo em sua testa como forma de consolo. Sei que não é o suficiente, mas não há muito o que possa fazer por enquanto.

Saímos do pequeno esconderijo do shopping e me sinto nu, parece que estou andando pela rua pelado, descoberto de qualquer coisa que possa me proteger e agora tudo é pior, todos têm o mesmo objetivo, todos os alvos e caçadores se juntarão para conseguir chegar no irmão de Ariel e tentar mata-lo, inclusive o meu caçador, isso significa um banquete duplo. Ele me mata, completa sua missão e ainda ganha o prêmio do dia. E ele sai vencendo, e como sempre, saio perdendo. Estar com Ariel me torna um alvo de dezenas de pessoas famintas para vencer o jogo e eu aceito essa realidade, não quero abandona-la, mesmo sentindo que deva fazer isso.