PRÓLOGO

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Água. É a única coisa que consigo ver. Tudo o que consigo ouvir e sentir. Quando pequena, eu adorava mergulhar no mar e senti-lo molhar todo o meu corpo, aquilo me reconfortava, e de uma maneira que ninguém mais conseguia entender, me deixava viva. Eram momentos em contato com a água que me permitiam pensar, refletir e me acalmar. Nesse exato momento, com o tubo de vidro me enforcando e com a água prestes a me afogar, conforto e calmaria são as últimas coisas que consigo sentir agora. O som do líquido subindo me desespera, cada centímetro que sobe é um segundo a menos de vida, e me restam poucos. Esperneio e grito pedindo por socorro, esperando alguém vir me salvar. Mas não, eu sabia que ninguém iria me salvar, esse seria o fim, o meu fim.

Medo. É o que eu consigo sentir de verdade. Raiva. Ódio. Angustia. De que todo o meu sofrimento foi em vão e apenas isso foi o que me restou no final. Como todo guerreiro eu lutei, incontáveis dias e noites, e agora isso é o que eu mereço.

Nem todo herói vence a sua luta, digo a mim mesma. Diante de todos os acontecimentos, essas palavras parecem ter sido a minha própria profecia. E estava sendo realizada nesse exato momento.

A água toca meu pescoço, tão fria quanto uma banheira lotada de cubos de gelo, tão aterrorizante quanto os meus piores pesadelos. Eu estava indo de encontro a morte, e não havia nada que eu pudesse fazer para evitar.

Quando a água chega na superfície do meu queixo, levanto a cabeça e respiro fundo, aproveitando os meus últimos segundos de vida. Puxo o ar para dentro de meus pulmões com toda a força que consigo, chega a doer um pouco, mas isso não é nada comparado as dores que enfrentei nessa minha longa jornada. Antes de tudo, penso nas coisas que eu não pude fazer. Todos os sacrifícios e palavras não ditas soam como uma facada em meu estômago, uma dor sentimental maior do que qualquer dor física que já senti na minha vida.

Fecho os olhos e aceito o meu destino, eu aceito a morte.

O liquido finalmente me cobre por inteira, do início ao teto do tubo. Meus pés flutuam, minha mente gira. Estou cercada por vidro e água, pele e osso, sofrimento e dor de uma vida que jamais terei, que foi arrancada de mim de uma maneira que não se faz. Eu fui injustiçada. Eu venci, mas ainda assim fui a perdedora, e quando tudo isso acabar, depois que eles se livrarem de mim, vão rir do meu fracasso.

Já não aguento mais prender a respiração, posso estar imaginando coisas, mas acho que sinto a água entrando pelos meus ouvidos e chegando até o meu cérebro. Sinto uma vontade agonizante de dormir, preciso descansar, estou cansada, mal consigo me manter consciente.

Por um momento penso ter esquecido o meu nome, ou qualquer informação sobre mim.

Antes de morrer, vislumbro o rosto de todos aqueles que amo em minha mente. Tendo uma última lembrança de tudo aquilo que vivi. Eles eram a minha vida, e serei forçada a deixar para trás.

Tento resistir, mas nem mesmo eu que fui criada no mar sou capaz de resistir a tanto tempo de baixo d'água. Sinto meus olhos tremerem dentro das minhas pálpebras fechadas. Mesmo estando rodeada de água meu pulmão arde, queima, implorando por oxigênio que não sou capaz de proporcionar.

É então que desisto.

Solto a respiração e sinto a água entra pela minha boca, pelo meu nariz e por todos os buracos possíveis do meu corpo. Ele cedeu à água, e ela está tomando conta dele. É uma sensação horrível de inutilidade, eu não posso fazer nada a não ser deixar meu corpo se encher e morrer.

Quando sinto que finalmente minha vida está se esvaindo do meu corpo, escuto um estrondo tão forte que machuca os meus ouvidos.

Ouço a morte vindo me buscar, e ela ainda diz o meu nome.

— Ariel?

A CAÇA - OS ESCOLHIDOSWhere stories live. Discover now