ONZE

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       — Como você conseguiu todo aquele dinheiro? — É a primeira pergunta que faço quando saímos da lanchonete.

O vento gelado perpetua com mais intensidade aqui fora, sem as paredes de concreto para nos proteger do frio somos muito mais sensíveis a ele. Abraço-me com meus próprios braços na tentativa de me aquecer e falho miseravelmente. Se ao menos essa blusa que me deram fosse um pouco mais longa em vez de deixar meus braços expostos por completo. Só agora noto que não troquei de roupa desde quando cheguei aqui, pergunto-me se ainda hoje terei a chance de vestir uma roupa limpa ou apenas me lavar, eu realmente estou precisando. Pelo menos não está fazendo calor, mesmo acostumada com dias de sol quente, ele ainda me provoca um pouco de dor de cabeça depois de muito tempo exposta.

Hiago nota meu desconforto com o clima e abre a sua mochila, retira um tecido grosso e escuro de dentro e o joga para mim. Pego no ar antes que caia no chão e analiso, é um casaco. Ele não olha para mim, apenas continua caminhando e parece sério. Agradeço mentalmente. Seguro o tecido nas mãos e o aperto, na etiqueta diz cem por cento algodão. Com muita ansiedade, o visto sobre meu corpo e a sensação de ser aquecida é tão reconfortante quanto uma noite de sono bem dormida. Uma terceira coisa que necessito agora, além de um banho.

A lua brilha forte no céu, acompanhada pelas estrelas chegam a parecer um exército. Um lindo exército brilhante, com seu comandante redondo, brilhando mais forte que todos os seus outros pequenos soldados. É engraçado comparar a lua e as estrelas com os oficiais que comandam o meu país, não são nem um pouco parecidos. A lua e as estrelas são bonitas, iluminam o céu escuro deixando-o mais encantador e é um prazer vislumbra-las. Já os militares são o oposto disso. Pelo menos os que eu conheço. Me pergunto como deve ser o governo em outros cantos do mundo, se eles podem sair nas ruas depois das dez da noite, se a sua liberdade de expressão é ao menos um pouco maior do que a nossa, se podem ser ouvidos com respeito, se podem ter opiniões contrárias e continuar vivos. Imagino como seria viver em um lugar sem todas essas regras rigorosas e opressoras. Parece um sonho, um sonho tão distante, ainda mais agora.

Estou tão perdida observando o céu que apenas percebo o que Hiago está falando quando menciona o meu nome.

— Alô? Parece que a Ariel foi abduzida por um alienígena. Ainda bem, menos um participante no jogo. Assim isso termina logo.

Fico um pouco sentida com a brincadeira, dizer isso para uma pessoa que está sendo perseguida por uma caçadora e pode morrer a qualquer momento não é algo muito educado. Mas estou com frio o suficiente para não reclamar, na verdade, não deveria, esse é o jeito de Hiago. Não acho que ele disse por mal, ou talvez tenha dito, nunca saberei.

— Seu humor é tão bom que me causa náuseas. — É o que digo.

E ele continua andando.

— Talvez o seu que seja duro demais. Se for para morrer aqui e agora, prefiro morrer sorrindo do que passar o meu último dia de vida me derramando em lágrimas. Mesmo que seja difícil.

Nós dois permanecemos calados, o que ele diz faz um pouco de sentido, mas não tenho motivos para sorrir. Não aqui, não agora. Não com tudo isso acontecendo e a única coisa que posso fazer para evitar é sobreviver. Não é fácil saber que minha vida depende da piedade de outra pessoa, ou da força da minha luta contra ela. Uma, apenas uma de vinte pessoas vai sair viva daqui. Outros dezenove morrerão com uma morte cruel e deixando apenas um grande ponto de interrogação para todos os familiares. Imagino como seria a vida de meu irmão e minha mãe – fico tremula ao pensar neles – sem a minha presença. Se eu morrer aqui, da forma como meu pai morreu, como seria para eles perder dois membros tão importantes da família? Seria devastador. Só espero que de alguma forma eles estejam bem. É tudo o que desejo agora.

A CAÇA - OS ESCOLHIDOSWhere stories live. Discover now