QUINZE

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       O sol está nascendo quando começamos a nossa caminhada. Por incrível que pareça passamos a noite tranquilamente. Foi a minha vez de nos vigiar enquanto Hiago dormia, foi difícil convencê-lo a dormir, ele quase não conseguiu, mas depois de insistir muito ele cedeu e poucos minutos depois já estava dormindo como um pequeno urso. Admito que tomei um enorme descuido durante a minha vigia, sem querer acabei cochilando e dormindo por um tempo, deixando-nos expostos para qualquer ataque. Fico tranquila que nada aconteceu conosco, mesmo com o risco de vida dobrado. Somos dois alvos, e dois caçadores estão atrás de nós, ao andarmos juntos só estamos aumentando a nossa chance de ser atacados. Chego a imaginar nossos caçadores unindo forças para nos atacar, se isso acontecer, tenho certeza que estamos mortos.

Fecho os olhos e rezo para que isso não aconteça, não seríamos pálios o suficiente para combater dois caçadores habilidosos como eles, isso é um fato que infelizmente não posso negar. Tirando esse pequeno susto, quando acordo estamos bem, inteiros e o principal, vivos. Quando nos levantamos, a primeira coisa que fazemos é começar a nossa caminhada até o nosso objetivo do momento, não foi difícil convencer Hiago a me levar até borda da arena, quer dizer, seu espírito explorador e curioso é muito maior do que o meu. Inclusive ele me contou que já havia feito isso antes, durante a sua primeira semana aqui, então será mais fácil, uma vez que ele já conhece o caminho até lá.

Não faço ideia do que iremos encontrar e nem tento criar teorias, pelo que Hiago me contou, a única coisa que espero ver de fato é um muro enorme que envolve toda a cidade. O muro fica no final da floresta, uma caminhada de mais ou menos dois dias, é a única coisa que sei. Confesso que ficarei um pouco chateada se chegarmos até lá e não encontrarmos absolutamente nada de relevante, mas prossigo, pelo menos vai ser bom para nos afastarmos de toda essa confusão por um curto período de tempo. Já estamos no caminho para o muro a mais ou menos meia hora quando o sol começa a esquentar, os raios fracos da manhã já se foram e olho no relógio, são onze e quarenta e cinco da manhã. Bom, pelo menos isso eles nos deram, o direito de saber que horas são. Assim não fico perdida no mundo. Meu parceiro de caça caminha em minha frente com passos lentos, por enquanto ele não está tão apressado para chegar em nosso destino, confesso que também não estou. Preciso me afastar um pouco dessa confusão para raciocinar e pôr minha cabeça no lugar, portanto, quanto mais demorado o nosso trajeto for, melhor. Contudo, sei que não posso fazer isso, pois diferente de mim, o jogo não para. Em circunstância alguma, ninguém tem o direito de descansar.

Meus pés estão cansados, mas não o suficiente para ter que fazer uma pausa. Após dois dias sendo usada como uma caça, ainda não me acostumei com as noites de sono mal dormidas e a atmosfera desse lugar. Tenho que me adaptar rapidamente com novos ambientes, mas esse tem sido difícil, a única coisa boa foi que consegui descobrir a verdade sobre o que aconteceu com meu pai. Por um lado, fiquei feliz em descobri-la. Me senti aliviada por estar certa durante todo esse tempo, eu sabia que ele não tinha nos abandonado, em hipótese alguma. Mas, por outro, não sei se queria ao certo ter descoberto. Saber que ele morreu dessa forma tão cruel faz a dor que eu já tinha superado, voltar como uma avalanche. Não sou capaz de raciocinar e pensar em como posso vinga-lo ou fazer qualquer coisa para me sentir melhor, o jogo não permite, e nunca vai permitir. Porém, me sinto aliviada em não ter que lidar com isso agora. Da mesma maneira que o jogo me trouxe a verdade ele não me ensinou como lidar com ela. E também não me deixou sequer pensar a respeito, ele serviu como um entretenimento para minha cabeça, vai deixa-la ocupada o suficiente para não pensar nisso o tempo todo.

Eu só queria poder falar com ele uma última vez, dizer que segui a minha intuição desde o início e pedir desculpas por quase ter acreditado no que os outros me diziam. Acontece que as evidências eram quase inquestionáveis, me fizeram quase crer que meu pai tinha mesmo nos abandonado, chega a ser ridículo pensar nisso agora. Eu sabia que devia ter ouvido a mim mesma, talvez se eu tivesse escutado o que meu coração dizia lá no fundo, eu talvez não estivesse aqui. Ou talvez, só talvez, a vontade de Dimitri em me ter aqui fosse tão grande que ele faria qualquer coisa para me trancar nessa floresta e me obrigar a lutar pela minha vida novamente. Não importa que escolha eu faça, essa parece sempre ser a mesma saída.

A CAÇA - OS ESCOLHIDOSWhere stories live. Discover now