HIAGO

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       Mesmo depois de pedir desculpas ainda sinto que devo algo a mais para Ariel. Sem ao menos me conhecer, ela fez mais do que qualquer outra pessoa poderia fazer por mim, ela salvou a minha vida. Sinto que ficarei em dívida com ela pelo resto da minha curta vida, e mesmo que tente, nunca conseguirei pagar da maneira que ela merece. Se ao menos eu conseguisse sair vivo daqui - o que é muito, muito difícil - eu poderia tentar honrar seu nome ou fazer justiça não só a ela, mas a todos que participaram desse jogo. É algo quase impossível de acontecer, pelo menos comigo, então tiro essa estúpida ideia de minha cabeça assim que posso. Não sei como funciona o mundo lá fora, estou preso nesse lugar há pouco mais de uma semana e tudo já soa tão diferente para mim. Mesmo que seja uma vida medíocre, sinto falta do pequeno bairro onde morava, das pessoas que costumavam conversar comigo quando me viam na rua. Da minha meta diária de conseguir algo para comer e assim não dormir com a barriga roncando, essa era uma das mais divertidas inclusive. Também sinto falta do ar poluído da minha cidade, eu me acostumei tanto que não me afetava mais, não como esse o qual respiro agora. É tão artificial e não tem cheiro de nada, muito menos de tranquilidade. Parece estúpido notar a diferença até do ar que respiro, porém, mesmo sendo algo mínimo, o fato de estar distante de casa me incomoda. Não sou capaz de lembrar em como aconchegante é respirar o ar de uma noite tranquila em casa, mas sei que é bem melhor do que o que respiro agora.

Ariel anda logo em minha frente com seus passos lentos e demorados. Não tenho nem o direito de reclamar, afinal, ela está assim por minha causa. Seu corpo inteiro está machucado para que o meu esteja bem agora, e sinto tanto por isso. Não digo nada, não sei o que dizer, tudo o que faço é andar atento ao perigo sem dizer uma palavra sequer. O clima entre nós não fica tenso, mas ainda assim me sinto desconfortável. Ainda não consigo entender o motivo dela ter feito isso por mim, para mim, é quase inacreditável. Mas significa tanto. Em toda a minha vida as pessoas nunca estenderam a mão para mim – muito pelo contrário, sempre fizeram o oposto – até os mais próximos de mim tentavam me colocar para baixo. Sempre foram os primeiros para falar a verdade. E ver uma garota que me conheceu em apenas um dia se arriscar assim por mim é muito importante, e o fato de não saber como retribuir esse enorme favor me deixa frustrado comigo mesmo. Sinto vontade de chorar toda vez que olho em seus olhos, por isso estou evitando.

Não andamos mais que dez minutos até finalmente chegarmos no rio. Ariel e eu não tomamos banho há praticamente vinte e quatro horas, e isso não é nem um pouco agradável. As árvores que circulam as águas claras do rio formam uma barreira que servem como um muro e o escondem muito bem, por isso é difícil encontra-lo. Mas devido às minhas explorações durante essa primeira semana, consegui acha-lo sem muito esforço. Apenas caminhei pela floresta à procura de alguma saída e o rio acabou aparecendo para mim sem que eu o procurasse, depois foi fácil lembrar sua localização. Assim que avistamos a fonte de água, Ariel corre cambaleando até a borda e cai como destroços bem na ponta do rio. Suas mãos vão de encontro à água e ela lava o seu rosto até então sujo; várias vezes, suas mãos vão e vêem tocando a água e esfregando o rosto. Quando sua cabeça vira para mim, seu rosto está tão limpo quanto o rosto de um bebê.

Devido ao dia desgastante e o ataque que sofreu, o rosto de Ariel estava um tanto quanto horrendo. Não falo nada, pois o meu não deve estar tão diferente do dela ao ponto de apontar os seus defeitos. Mas vendo-a agora com o rosto limpo, noto quão perfeita e bem cuidada é a sua pele, pelo menos não era o que aparentava segundos atrás. Depois de limpar o rosto, Ariel senta no chão, aliviada, e me aproximo da garota incrível que tive a honra de ter arranjado como aliada.

— Você está bem? — Pergunto, mas logo quero retirar o que disse, que pergunta idiota, é claro que ela não está bem.

— Bem não é a palavra mais adequada, mas poderia estar pior. — Ela me responde, sem muita convicção no que diz.

A CAÇA - OS ESCOLHIDOSDonde viven las historias. Descúbrelo ahora