18 - Seguir em frente (parte 2)

729 74 12
                                    

Antes da colisão, abaixei-me. E, deslizando pelo chão encerado, dei uma rasteira no inimigo, que despencou ao se desequilibrar.

— Bom trabalho, garoto! — disse Fred, pressionando o pé contra o peito do soldado e puxando o braço dele para trás.

Através daquele golpe, Fred conseguiu imobilizá-lo. Em seguida, o revistou. Ele não achou nenhuma outra arma. No entanto, encontrou algumas amarras. Apesar da pouca movimentação, não podíamos dar bobeira, pois o exército de Farmug era gigantesco.

— Eu vou matá-los! — gritou o soldado, debatendo-se.

Naquele momento, Fred amarrou a boca do inimigo. Depois, o arrastamos para um canto escuro, abandonando-o.

— Precisamos ser mais rápidos — disse Fred, apressando os passos.

— Estamos dando o melhor de nós.

— Não, Crispim, nós não estamos!

De repente, mais e mais soldados apareceram. Porém, ninguém implicou conosco. Alguns deles seguiam para o local de onde viemos. E isso me assustava. A qualquer momento seriamos descobertos.

— Como está se sentindo? — perguntou Fred, disfarçando o nervosismo.

— Meu coração está prestes a sair pela boca.

— Então é melhor engoli-lo. Isso está longe de acabar.

O modo como falou elevou a minha tensão. Fred parecia disposto a fazer qualquer coisa para cumprir seu objetivo.

Perto dali, percebi que não havia supervisão alguma no local que dava acesso às celas. Em vista disso, Fred comentou que tudo estava sendo fácil demais. Então, redobrei minha atenção.

— Ali... — apontei. — As celas ficam ali.

Ao ultrapassarmos o portão de ferro, Fred o trancou com o ferrolho.

— Por que fez isso? — exaltado, olhei para trás.

— Estamos numa corrida contra o tempo, é a nossa chance de atrasá-los. Além disso, deve existir uma outra saída por aqui.

— Então vamos logo! Precisamos encontrar as chaves.

Ao nos ver por perto, os prisioneiros ficaram curiosos. Como não faziam ideia de quem éramos, ou o motivo de estarmos ali, parte deles não paravam de fazer barulho. Entre ofensas e ameaças de morte, tentávamos libertá-los.

Através de gestos, eu pedia silêncio, mas, de início, não obtive êxito. Contudo, Fred conseguiu chamar a atenção de um deles. O prisioneiro, por sua vez, que tentava se sobressair em meio a tantas outras vozes, orientou Fred a encontrar um molho de chaves, escondido debaixo de um piso falso próximo ao canto da parede.

O restante dos prisioneiros só calaram a boca quando Fred correu para a primeira cela.

Em decorrência da pressa, Fred se perdeu no uso das chaves. Afinal, eram muitas.

Assim que ele encaixou o objeto na fechadura, um grupo de soldados surgiu. Unindo forças, eles tentavam derrubar o portão de ferro que dividia aquela parte do castelo.

Por um momento, acreditei que nada daria certo, mas percebi que, empurrando o portão, poderia atrasá-los. Por sorte, o ferrolho estava do mesmo lado que eu. Então, meu único trabalho foi mantê-lo intacto. Enquanto segurava o ferrolho, o soldado que antes havia sido amarrado puxou-me com tanta força que o capacete caiu. Em decorrência do impacto, machuquei a têmpora.

— Solta o meu braço! — gritei, puxando o corpo de volta.

Talvez sozinho eu nunca tivesse me livrado daquela situação. No entanto, fui auxiliado pelos ex-prisioneiros da primeira cela. Os Dartions libertados me puxavam com tanta força que, por um instante, achei que seria partido em dois.

De repente, caí para trás, batendo as costelas no chão. Mas logo levantei. Fred ainda estava na segunda cela. E isso me preocupava, pois restavam seis. De uma forma ou de outra, tínhamos que dar um jeito nos inimigos. Eles haviam chamado reforço para romper a barreira.

Olhei para Fred e o vi sem capacete. Talvez fez isso para ser reconhecido, pensei. Alguns dos que estavam soltos seguiram até o portão. Eles o seguravam, esforçando-se para mantê-lo intacto.

Quando tentei ajudar, fui impedido por um deles, que disse:

— Seu rosto está sangrando... Vá, ajude seu amigo a terminar o que começaram. Deixe isso por nossa conta.

— Posso te ajudar? — aproximei-me de Fred, que quase não me ouvia.

— É complicado. Todas elas se parecem, menos essa aqui — falando alto, mostrou a única chave prateada do molho.

Antes que ele abrisse a quarta cela, apossei-me daquela chave e disse:

— Acho que sei de onde ela é.

Cinco das celas abrigavam em torno de dez a quinze Dartions. Por isso, com o aumento de indivíduos presentes, o local se tornou sufocante.

Logo fiquei de frente com a cela, onde os furos pequeninos se destacavam. Sabia que precisava ser cuidadoso. Qualquer erro colocaria tudo a perder. Sem demora, encaixei a chave, mas tive dificuldade em girá-la. Entre um movimento e outro, ela emperrou.

Percebendo a movimentação, Rafiq falou comigo pela primeira vez:

— Gire a chave enquanto empurra a grade. Tente o lado esquerdo.

— Não estou conseguindo!

— Não pare de tentar, vai dar certo. Esqueça tudo ao seu redor, foque no que está fazendo.

Ao seguir as instruções dele, consegui abrir a cela. Assim que saiu, Rafiq me abraçou e, nesse momento, gelei por inteiro. Não consegui retribuir o gesto.

— Obrigado, nobre rapaz — disse ele. — Prometo que vou recompensar você e a sua família.

Através do posicionamento de Rafiq, percebi que não me reconheceu. E talvez fosse demais esperar por isso. Afinal, ele não me via desde que eu era um bebê. Sem falar que a situação não era das melhores.

— Conheço uma saída que vai nos tirar daqui — disse Rafiq, de repente.

Percebendo que muitos se dissipavam, voltei até Fred e falei:

— Vamos... Temos que ir — chacoalhei-o.

Fred, por sua vez, olhou para o chão.

— Lembra do que falei? — disse ele, em pausas. — Esse é o momento em que você não olha para trás. Gaspar e os outros precisam de mim. Alguém tem que voltar pelo mesmo caminho.

— Mas, se algo te acontecer, tudo isso vai ser em vão...

— Não se preocupe, convenci alguns a voltarem comigo. E se tudo der certo, encontraremos os outros. Nos vemos no caminho, Crispim. Agora vá! Seu pai precisa de você.

Após essa declaração, Fred bateu no meu ombro e se afastou. Em virtude disso, segui rumo a um túnel com Rafiq e os outros Dartions. Porém, depois de algumas passadas, ouvi um barulho estrondoso, que gerou desespero por parte de muitos.

O portão foi derrubado, pensei.

No meio do empurra-empurra, os ratos apareceram, provavelmente assustados com toda aquela movimentação — alguns deles foram pisoteados. Quanto a mim, tentei manter o foco, precisava sair do castelo. Entretanto, ao olhar para a direita, vi alguém ser atingido por uma flecha.

Horrorizado com a situação, aproximei-me. Ajudei o Dartion a levantar, coloquei o braço dele por cima do meu ombro, e até recebi ajuda. Por causa do peso, encurtei os passos. E quando ouvi um apelo agonizante, virei para trás, aos gritos:

— FRED... FRED!

De repente, todos os pensamentos ruins vieram à tona. Eu tinha certeza que aquela voz pertencia a ele.

— Não dá para voltar — disse Rafiq, segurando meu braço. — Sinto muito pelo seu amigo.

Reluscer - O SucessorWhere stories live. Discover now