01 - Os primeiros passos (parte 2)

2.7K 185 70
                                    

Ao acordar, senti o coração acelerado e as mãos suadas. Notei também que o carro havia parado num posto. Inicialmente, achei que estivesse sozinho, mas, depois de alguns instantes, através da janela esquerda, avistei Merry. Ao vê-la, minha reação imediata foi empurrar o banco da frente e tentar abrir a porta. Entretanto, não consegui sair sozinho.

— Deu problema no carro — disse ela, enquanto abaixei o vidro. — E não faço ideia de quanto tempo vai durar o conserto. Vem para cá! O clima está tão agradável aqui fora.

— É... Acho que preciso de ajuda — tentei sair outra vez. — Não está abrindo!

Observando a minha falta de jeito, ela se aproximou e puxou a porta sem dificuldade alguma, o que me deixou envergonhado.

Ao deixar o veículo, olhei para o céu, mas não vi vestígios de tempo ruim. Estranhei, tinha certeza que só havia cochilado.

— Vamos! Heitor está nos esperando. Nada como um bom café da manhã para começar o dia! — sorriu, apontando para o letreiro à frente.

— Restaurante? Não... Não mesmo! Vocês não podem gastar dinheiro comigo!

— Ah, faço questão! — cruzou os braços.

Após algumas tentativas, Merry levou-me até o restaurante. Mas, antes de nos aproximarmos da porta, ela parou, me olhou nos olhos e, com a voz trêmula, disse:

— Sei que deve ter ficado curioso sobre o que...

— Se te deixa triste — interrompi —, não precisa comentar a respeito. Além do mais, eu sou apenas um estranho.

— Não se preocupe, meu querido. Está tudo bem agora! — pausou. — Casei muito jovem e tinha o sonho de ter filhos. Mas logo descobri que as possibilidades de me tornar mãe eram pequenas. Foi então que decidimos procurar um tratamento. Porém, quando os resultados surgiram, eu já não era tão jovem. Sabia que a gravidez era de risco, mesmo assim, continuei. No parto, os médicos tentaram salvar o bebê, mas não conseguiram, porque decidiram salvar a minha vida — antes de completar, Merry suspirou. — O nome dele seria Crispim.

Por volta de um minuto, fiquei totalmente sem palavras. A única reação que tive foi abraçá-la e dizer que sentia muito. Daquela vez, Merry se conteve. Mas imagino o quanto deve ser difícil comentar sobre o assunto, pois conheço bem a sensação de mascarar os sentimentos para não demonstrar fraqueza.

Após o abraço amigável, fomos ao encontro de Heitor.

O conserto do carro durou umas quatro horas. Não sei qual foi o problema, mas para quem não entende nada de veículos, achei normal. Na estrada, nos divertimos muito. Cantamos, falamos sobre outros mundos, comentamos sobre religiões, medos, sonhos, etc.

A vida daquele casal não era feita apenas de coisas tristes, pelo contrário. Os dois já haviam passado por cada situação engraçada que eu teria de renascer cinco vezes para acompanhar o ritmo.

Chegando ao local combinado, senti um aperto no peito por ter que deixá-los ir. Afinal, são um casal aventureiro, não ficam no mesmo lugar por muito tempo. Às vezes, fico a pensar que, talvez, quando os encontrei, nem estivessem indo para o mesmo rumo que eu.

Quando desci do carro, o casal me acompanhou. E com abraços, agradeci.

— Crispim, você nasceu para reinar! — advertiu ela. — Vejo isso através dos seus olhos.

Enquanto falava, Merry retirou um colar prateado do pescoço e pôs em mim.

— Quero que fique com isso, ganhei tempos atrás de uma jovem. Ela disse que esse objeto seria muito mais útil do que eu pensava, e que quando eu descobrisse a finalidade dele, me sentiria protegida.

Merry pausou enquanto ajeitou o objeto no meu pescoço. Percebendo minha possível resistência em aceitá-lo, prosseguiu:

— Ficarei ofendida, caso não aceite. Além do mais, este presente irá te proteger por um determinado tempo. Mas tem uma coisa... Após descobrir a finalidade dele e usá-lo por três vezes, repasse para alguém que precise de proteção. Deixe que essa pessoa descubra por si só a função do pingente.

Entendia que, em mim, ela via a imagem do filho. Por isso, não me opus. Após concordar, perguntei:

— E agora? Para onde vão?

Olharam-se ao mesmo tempo.

— México, Canadá, Honduras e Brasil — respondeu ele, com um sorriso cativante.

— Pretendemos parar de vez quando voltarmos ao Brasil, porque foi lá que nossa história começou.

Antes de seguir, Merry chamou pelo meu nome. Então, olhei para trás.

— Ainda nos veremos de novo! — disse ela.

O modo como se expressou deixou-me sem palavras, pois não supôs, afirmou. Porém, de acordo com o mapa deles, um novo encontro seria inviável. Quer dizer, poderia até acontecer, caso um dia eu retornasse ao Brasil e, por obra do destino, estivéssemos na mesma cidade.

Por falar em Brasil, morei no Rio de Janeiro durante os primeiros quatro anos de vida. Mas não lembro de muita coisa. Afinal, eu era pequeno quando nos mudamos para a Itália.

Apesar da mudança repentina, minha mãe, Deise, que é brasileira e professora de português, nunca me deixou esquecer o idioma em questão. Em casa, costumávamos construir longos diálogos na nossa língua de origem. Além disso, ela sempre me fazia pesquisar sobre os aspectos culturais e suas influências pelo mundo. De certa forma, o meu lado brasileiro sempre foi o mais forte.

Em meio a uma rua tranquila, observei os detalhes do presente recebido. E, ao fixar os olhos nele, quase pulei para trás. O pingente tinha o formato de um cata-vento! Era idêntico ao do meu sonho.

Reluscer - O SucessorWhere stories live. Discover now