16 - Perfeito demais para dar certo (parte 1)

1.8K 151 216
                                    

O leão havia feito tudo o que eu disse. Foi assustador e, ao mesmo tempo, curioso. Naquele instante, ele estava com uma das patas erguidas, como se fizesse uma saudação.

Céus. Como isso é possível? Pensei.

— Domador Uno? — disse Gaspar, de repente.

— Exato! — comentou Zambzug. Crispim tem a habilidade de um Domador Uno.

Daquela vez, eu não perguntei nada.

— Parabéns, Crispim — continuou. — O leão interior foi despertado.

— Quê? — disse eu.

Falando sobre o Domador Uno, Zambzug explicou que ao longo da vida, um animal pode ser domado por diversos Dartions. Entretanto, isso deixa de valer a partir do momento em que acontece o reconhecimento espiritual. Quando a alma do animal se conecta a um Domador, os dois viram cúmplices, e só se separam quando a missão termina. Com o fim do ciclo, o animal adquire liberdade e jamais será domado de novo. Quanto ao Domador, passa a ser visto como um líder daquela espécie, podendo atrair bandos nos momentos de perigo.

Após ouvir a explicação, comentei:

— Então vamos lá — estalei os dedos. — É... Finja que morreu — falei brincando, e ele obedeceu. — Mas que leão dramático!

— Não é tão diferente de alguém que conheço — disse Fred, olhando para mim.

— Continue que eu faço ele te devorar.

— Isso não tem a menor graça — retrucou, tentando ficar sério. — Sei que não faria isso. Eu e ele temos uma missão parecida.

— É, mas só ressaltando... não preciso de babá.

De repente, Zambzug se retirou e, quando já estava longe, Gaspar disse:

— Vai começar a busca?

Pela forma que falou, deu a entender que queria ir junto.

— Sim, Gaspar — respondeu —, mas é melhor nos separarmos.

Devido à resposta de Zambzug, tive motivos para desconfiar dele, pois parecia que estava fugindo.

— O que faremos agora? — perguntou Gaspar, cruzando os braços.

— Pois é, o que faremos? — comentei, fazendo o leão voltar a "viver". — Ei, ele não vai ficar me seguindo por aí não, não é?

— Talvez — respondeu Gaspar, pondo as mãos sobre a nuca. — Digamos que ganhou uma nova sombra. Não importa o que faça ou onde o deixe, se ele cismar, sempre dará um jeito de te seguir.

— Como sabe de tudo isso, Gaspar? Por acaso andou roubando os livros da biblioteca? — disse Fred, desconfiado.

— Meu pai — respirou fundo —, meu pai é um Domador Uno.

— Sinto muito... — disse Fred, falhando a voz.

— Tudo bem, não fui o único a sofrer perdas.

Gaspar falava de mim, mas também de Fred, — disso eu tinha certeza. Fred nunca falava sobre seu passado, e isso me incomodava, porque sempre mudava de assunto. Por outro lado, ele conhecia bem a história de muitos.

Quando tudo parecia calmo, uma Defensora veio até nós. Ela estava aos prantos. Desesperada, não parava de puxar os cabelos.

— Senhor, Alfred! Senhor, Alfred! — disse ela, cobrindo os olhos.

— O que houve? — perguntou Fred, surpreso. — Qual é o motivo desse desespero?

Pelo visto, havia acontecido algo grave. Em meio à ocasião, não vi outra saída a não ser acalmá-la. Quanto mais a Defensora falava, mais complicada a situação parecia.

Reluscer - O SucessorWhere stories live. Discover now