11 - Agir como um leão (parte 3)

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— Quem é você? — insisti, receoso.

— Quem?

Ao ser questionado de novo, observei que era uma voz familiar. E isso me assustou. Não a ponto de fugir dali, mas de querer desvendar o mistério.

— Onde está?

Enquanto levantava, continuei olhando para cima e comecei a subir na árvore.

— Onde?

Na altura dos acontecimentos, eu já tinha percebido que estava sendo imitado de modo parcial, pois toda frase que dizia, o outro selecionava a primeira palavra e transformava numa interrogação.

Assim que atingi o galho central, vi o vulto passar pelo outro lado. Ele parecia querer brincar de esconde-esconde.

Ao invés de procurá-lo, esperei que se apresentasse.

Depois de ficar algum tempo sem fazer gracinhas, a figura finalmente se manifestou. No entanto, não me mostrou o rosto. Apenas ficou de costas no galho que estava à minha frente.

Aquele alguém era um garoto. Estava vestido numa camiseta azul com uma pequena estampa do "menino maluquinho" na altura da nuca. Além disso, fazia uso de um gorro branco.

Sem fazer barulho, passei para o outro lado. Mas na medida em que me desloquei, vi a imagem do garotinho seguir adiante, equilibrando-se na parte mais fina do galho. Por algum motivo, ele queria que eu o seguisse.

De repente, o garotinho parou de andar. Então, quando uma borboleta amarela pousou em seu ombro, ele começou a assobiar, iniciando uma melodia. Confesso que, de imediato, não reconheci aquela canção. Mas assim que a deduzi, por um momento, fechei os olhos e passei a cantá-la do início:

Como pode um peixe vivo viver fora da água fria? Como pode um peixe vivo viver fora da água fria? Como poderei viver? Como poderei viver? Sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia...

Quando eu era pequeno, sempre que ia dormir, pedia que Deise cantasse "Peixe Vivo", uma canção folclórica que aprendi enquanto ouvia uma fita de áudio. Lentamente, ela cantava enquanto eu fechava os olhos. Através disso, na minha mente, a música se transformava em um pequeno filme, cheio de detalhes. Toda noite eu conseguia visualizar algo novo. Se estivesse triste, imaginava a história em preto e branco. Quando estava feliz, as cores se intensificavam. O fato é que não existia um roteiro fixo, personagens diferentes chegavam e saíam na hora que bem entendessem.

— Onde aprendeu essa música? — perguntei, aproximando-me.

— Onde?

Dito isso, ele bateu com a mão sobre o ombro, espantando assim a borboleta. Parecia ter se irritado com algo.

— Por que está agindo dessa forma? — questionei de novo.

— Por quê?! — gritou, ainda de costas.

Diante daquilo, parei de andar. Como não tinha conseguido arrancar as respostas, desisti de acompanhá-lo.

Assim que tentei voltar para o solo, reparei que o caminho de volta não existia mais. Todo o local tinha sido coberto pela folhagem. Eu estava perdido em cima da árvore. Não dava para ver o chão, não dava para ver nada que não fossem as folhas, os galhos e o garotinho, que naquele instante tirou o gorro.

Desesperado por não saber como voltar, segui em direção ao menino e, estendendo a mão trêmula na direção dele, eu o questionei pela última vez:

— Quem é você?

No instante em que disse isso, ele se virou de frente.

— Quem é você? — repetiu, sem engolir as palavras.

Diante do acontecimento, não pude reagir de outra forma, a não ser ficar abismado. O garotinho era eu mesmo aos sete anos de idade.

Deparar-me comigo na fase infantil me fez perceber o quanto tinha mudado. Nem falo tanto no aspecto físico, mas em relação à forma que enxergava as coisas. Antes, achava que todo mundo poderia se dar bem com todo mundo, que a felicidade se tornaria algo duradouro, que a maldade deixaria de existir. Enfim, acreditava em tudo que era bom. Crescer foi como apagar um incêndio de otimismo. Agora eu só vejo fumaça.

De repente, a árvore tremeu. Então a imagem sumiu. As folhas foram sugadas para dentro do caule e, quando tudo secou por completo, notei que Fred estava paralisado num terceiro galho. Ele não tinha me visto. Porém, quando tentei me aproximar, escorreguei e caí de costas. Por sorte, não me machuquei. As folhas do chão amorteceram a queda.

— Você está bem? — perguntou Jen.

Ao ver o rosto dela, a única coisa que fiz foi levantar o braço para que me ajudasse a ficar de pé. Naquele momento, não consegui interagir. Meu corpo estava ali, mas minha mente não.

Antes que tudo fosse normalizado, ouvi uma voz que dizia:

— Não tenha medo do jovem leão, você é como ele, tem sangue de rei. Desperte o seu instinto de predador. Despertar, despertar...

Naquele instante, ao pronunciarem a mesma palavra, a voz estranha se chocou com a de Fred, tornando-se uma só.

— Fred... — disse eu, com estranheza. — O que foi tudo isso?

— Ultrapassou a cerca. Desconhece o significado da palavra limite?

— Conheço. Mas é que... sabe. Foi como se a árvore tivesse falando comigo.

— Então diz o que você viu ou ouviu.

Expliquei todos os detalhes. Mas, depois de contar minha versão, perguntei a ele o que fazia ali em cima.

— Fred estava tentando te salvar da "intensificação" — disse o mascarado, que, para minha surpresa, estava entre nós. — Essa árvore é conhecida como "intensificadora" ou "quatro galhos". O objetivo dela é atrair qualquer um que se aproxime. Quando ela fisga uma presa, faz com que esse alguém enxergue uma imagem surreal. Essa manifestação ilusória percorre por toda a árvore, fazendo com que o atraído se perca nela, a ponto de nunca mais ser encontrado.

O mascarado tinha uma voz grave e isso o tornava mais misterioso. Eu não conseguia imaginar um rosto que se adequasse àquele tom.

— E como consegui me livrar dela? — perguntei, confuso.

— Na verdade, foi eu quem te resgatei. Uma simples ofensa faz a quatro galhos se envergonhar — continuou o mascarado.

— Então quer dizer que eu subi à toa? — questionou Fred, aborrecido.

— Tentei te parar. Mas fingiu não me ouvir — retrucou o mascarado.

— O senhor falou em ofensa. Como assim? Que palavra usou? — perguntei.

— Senhor, não. Por favor! Pode me chamar de Zambzug ou se preferir, Zug. Sobre a ofensa, não posso repetir agora. Quem sabe depois.

Quando fez esse comentário, olhei para Fred e vi-o balançar os ombros como se não fizesse ideia do motivo.

Ao olhar para Jen, senti um desconforto no pescoço. E assim que passei a mão sobre ele, derrubei um pequeno inseto. Foi nesse momento que notei a ausência do colar.

— O meu pingente! — tateei parte do corpo.

Reluscer - O SucessorWhere stories live. Discover now