19 - A explosão (parte 1)

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Primeiro Gaspar, depois Fred. Todos estavam pagando o preço da minha chegada. Não conseguia encontrar outro culpado. Tudo o que se movia naquele lugar parecia girar em torno de mim.

Não fazia ideia se Vougan e Natanael estavam bem. Mas sabia o quanto a ansiedade me deixava mal. Por alguns segundos, fiquei tão aéreo que nem percebi os meus pés afundarem na água, que atingia aquela parte subterrânea do castelo.

De repente, avistei a luz que nos levaria para a saída. Porém, a cada passo dado, o nível da água subia. Ao deixarmos o túnel, a situação continuou complicada. Devido à força da correnteza, a profundidade e algumas pedras no caminho, tive dificuldade em conduzir o Dartion ferido. Em alguns momentos, cheguei a beber sem a menor intenção.

— Pode deixar, rapaz. Eu o ajudo — disse Rafiq.

Daquela vez, não consegui respondê-lo, apenas obedeci.

Virei para trás e notei que ninguém nos seguia. Por outro lado, assim que voltei para a frente, observei alguns Dartions em terra firme. Enquanto isso acontecia, outros dos que estavam ao meu lado comemoravam a limpidez da água doce. Em desespero, bebiam, agradeciam a Alssami, lavavam o rosto, mergulhavam — alguns choravam de felicidade. Assim que os meus pés não conseguiram mais tocar o solo, comecei a nadar.

Aos poucos, todos atravessaram para a parte seca da floresta, mas não havia garantia de salvação. Na beira do riacho, aguardei Rafiq. E quando ele e os demais chegaram, percebi que o ferimento daquele que havia sido atingido estava piorando. A quantidade de sangue na água comprovava a gravidade da situação.

— Temos que tirar a flecha das costas dele! — disse eu, em meio ao desespero.

— Não se preocupe comigo. Só precisamos encontrar um local seguro — retrucou a vítima, gemendo.

Mesmo numa situação desagradável, ele continuava a pensar em grupo. E isso me levou a pensar que, se fosse comigo, talvez eu agisse de outra forma.

Jen tinha razão, eu era um verdadeiro egoísta.

— E agora? Para onde vamos? — alguém perguntou.

— O lugar mais próximo e seguro é a Caverna de Piatã, caso não esteja povoada — sugeriu um deles.

Em meio à aprovação do rei e da maioria, logo seguimos para o local designado. O mais estranho de tudo era o fato de não sermos seguidos, pelo menos eu não conseguia ver ninguém atrás de nós.

Durante aquela caminhada, que durou por volta de uns vinte minutos, fui surpreendido por um alguém motivado, que mantinha um sorriso no rosto.

— Agora posso reunir a família. Isso não é incrível? — disse o desconhecido.

Eu não estava no melhor momento para iniciar uma conversa. Por outro lado, dei continuidade:

— Sua esposa e seus filhos?

Era meio óbvio que fosse, mas não custava nada ser gentil.

— Sim, minha esposa, Ismenier. E os meus filhos, Gaspar e Salua.

Ao ouvir os dois últimos nomes, fiquei surpreso. Senti como se ambos estivessem por perto. Entretanto, por mais que eu tentasse, não conseguia me animar. O sentimento de culpa me destruía por dentro.

— Conhece eles? — perguntou.

Antes de respondê-lo, engoli em seco.

— Aham.

— E eles estão bem? Cresceram muito? — insistiu, com um brilho no ar.

Talvez aquela primeira pergunta fosse a que eu mais temesse. Não por Salua, mas por Gaspar.

— Ei! Estou falando! Está se sentindo bem?

Quando retornei à realidade, percebi que boa parte do grupo estava mais à frente. Enquanto isso, eu e ele nos encontrávamos ali, parados.

— Desculpe, senhor! Mas o que disse mesmo?

Sabia o que ele tinha perguntado, mas buscava uma saída para não o responder. O que acabou funcionando.

— Deixa isso para lá! Deve estar cansado.

Após seguirmos pelo outro lado da floresta — que não era habitado por nenhuma família Dartion —, deparei-me com uma caverna em formato de leão. Seja lá como aquilo tivesse se formado, era espetacular. Os detalhes eram tão esplêndidos que arrancariam o fôlego de qualquer arquiteto.

— Nossa! Esse é o lugar mais surreal em que já estive — comentei, abobado.

— Que palavra mais engraçada! — disse o pai de Gaspar.

— Surreal?

— Sim, essa mesma. Qual é o significado?

— Algo fora da realidade — respondi de imediato.

A minha rápida explicação me fez refletir. Como falar de realidade quando eu não tinha certeza se estava vivendo nela?

Por um instante, ele pareceu confuso, mas continuou simpático. Depois disso, seguiu para dentro da caverna. Quanto a mim, antes de adentrar, olhei novamente para trás. Porém, não vi sinal algum de Fred, Vougan ou até mesmo soldados.

Imaginei que a caverna fosse escura e gélida. Estava enganado. Ali, havia um lago que refletia uma luz azulada por todos os cantos. E, no fundo dele, algumas pedras cinzentas.

Muitos procuravam locais para se aconchegar, outros conversavam. Eu me mantive isolado, pois acreditava que sem Fred ou Gaspar por perto, não conseguiria me enturmar.

De repente, Rafiq decidiu se pronunciar. E para isso, reuniu todo mundo num local estratégico, onde as rochas amontoadas formavam o ponto mais alto daquela área.

No início, acreditei que ele faria um longo discurso. Em vista disso, sentei próximo ao lago e fiquei olhando para Rafiq. Contudo, enquanto aguardavam suas primeiras palavras, ele acenou para mim, chamando-me à frente. Confesso que tive receio em ir até lá, mas logo entendi que resistir não iria mudar nada. Afinal, eu não tinha onde me esconder. Então fiz o que precisava ser feito.

— Este jovem corajoso — iniciou ele, apoiando a mão sobre mim —, foi um dos responsáveis pela nossa libertação. Devemos nossas vidas a ele. É um herói que merece respeito.

Enquanto Rafiq falava, os outros aplaudiam. Depois de comentar sobre o quão difícil seria dali para a frente, ele virou-se para o meu lado e disse em voz alta:

— Sua família deve estar orgulhosa de você. Por acaso, eles estão aqui conosco?

Daquela vez, não tive como esconder o constrangimento. Respirei fundo e disse:

— Não... Quer dizer... — gaguejei.

— Ora, não precisa ficar nervoso. Estamos entre os nossos.

— Meu pai, o meu pai está aqui — engoli em seco, olhando para o chão.

— Então ordeno que o pai deste herói se apresente — entusiasmado, ele ergueu meu braço esquerdo, pediu que eu levantasse a cabeça e focasse nos rostos que estavam à nossa frente.

Rafiq olhou para o meio do povo. E nada aconteceu. Como consequência, sorriu timidamente, voltando-se para mim.

— Ah! Claro. É provável que não tenham tido contato durante todo esse tempo. Aparentas ser jovem e isso explica muita coisa. Talvez eu possa ajudá-lo. Então me diz: como se chama?

Envergonhado, eu disse baixinho:

— Crispim, senhor.

Rafiq passou a mão na minha cabeça e disse:

— Talvez tenha entrado água no meu ouvido, porque eu não consegui entender seu nome — virando-se para a frente, ele continuou: — Não precisa ter medo de falar, jovem. Precisamos conhecer o nome daquele que contribuiu com a nossa libertação. — Vamos! — animou-se, voltando a erguer o meu braço. — Diga o seu nome!

Pressionando os dedos contra a palma da mão, olhei de canto para ele, dizendo com firmeza:

— Crispim, senhor. O meu nome é Crispim. Crispim Vincenzo ou Guacci, como preferir!

Reluscer - O SucessorWhere stories live. Discover now