11 - Agir como um leão (parte 1)

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Ao invadir a parte interna do templo, entrei em várias salas à procura de Gaspar. E assim que o encontrei, observei que sua situação não havia mudado tanto. Mesmo tossindo, ele repousava com os olhos semiabertos.

— Eu consegui! Está aqui — disse eu, aproximando-me. — Você vai ficar bem.

Desenrolando o antídoto, levei o objeto até a boca dele, e, com um dos dedos, movimentei seu lábio inferior para baixo. No primeiro minuto, fiquei tão ansioso que não me mantive quieto, circulei pelo local. Queria que tudo desse certo. Porém, com o passar do tempo, cheguei a acreditar que todo nosso esforço tinha sido em vão. Afinal, o efeito causado em Zeb foi quase imediato.

Apreensivos, Fred e Salua me observavam da porta. Ela estava com a cabeça encostada sobre o ombro dele.

De repente, Gaspar parou de tossir, segurou o meu pulso e o apertou. Em seguida, virou-se para mim e disse:

— Se a vida for realmente algo inevitável, quero que ela dure para sempre.

A partir disso, pude comemorar. Ele havia voltado.

Naquele instante, Gaspar levantou normalmente, como se nada tivesse acontecido. Abracei-o tão forte que nem me dei conta de que quase o sufoquei. No entanto, apesar de se mostrar recuperado, Salua não o queria vê-lo fora dali. Como consequência, os três discutiram por cerca de cinco minutos. Quanto a mim, estava muito cansado para me posicionar a favor ou contra qualquer um deles. Só queria que se entendessem de vez, pois já não aguentava mais aquele excesso de informações.

Sobressaindo-se, Salua conseguiu que aceitassem sua proposta. Então, por cerca dez minutos, esperamos que algum Curandeiro aparecesse pelo local, para confirmar que estava tudo certo com Gaspar. Todavia, isso não aconteceu. Todos estavam reunidos do lado de fora. Éramos os únicos presentes.

— Enfim, será que agora eu já posso dormir? — reclamei, coçando os olhos. — Estou exausto!

— Também estou cansado — disse Fred —, mas, agora, nenhum de nós pode repousar. Crispim, o povo está a sua espera. Enquanto não te ouvirem, não vão embora.

— Que povo? — perguntou Gaspar, antes de beijar a face de Salua. — Eles já sabem? E o ritu...?

— Eu explico no caminho — interrompendo-o, Fred o puxou pelo braço.

Eu teria que encarar a multidão novamente. Mas, independentemente de qualquer coisa, entendia que agora existia reforço. Obriguei todos eles a subirem comigo até o alto da torre.

Chegando lá, observei Anne falar sobre o futuro, e isso me deu medo. Eu estava sendo modulado como um herói.

Notando minha presença, ela pediu que me aproximasse.

— Fred — sussurrei —, não faço ideia do que devo falar. E agora?

— Não se adiante, não se estenda — disse ele. — Enrole o quanto puder.

— Estaremos aqui, Crispim. Vai dar tudo certo — disse Gaspar.

— Espero que sim.

Na hora de falar em público, os meus lábios e as minhas mãos tremeram. Senti como se tudo à minha volta estivesse em câmera lenta. A possibilidade de fuga passou pela minha cabeça. Entretanto, antes que essa ideia ganhasse força, eu a descartei. Entendi que aquele era o melhor momento para encarar os problemas.

Com a respiração acelerada, quase derrubei o objeto que recebi das mãos de Anne. Olhei para todos os cantos, e quanto mais tentava me controlar, mais nervoso ficava.

— É... é... — travei.

Durante longos segundos, a única coisa que eu parecia conhecer era a vogal "e", mas já esperava que isso acontecesse. Afinal, nunca fui de falar sobre mim, principalmente em público.

Dando-se conta da minha dificuldade, Jen, que estava lá embaixo, tentava me ajudar. Pôs as mãos nas laterais da boca e gritou:

— Diga a eles como sobreviveu...

— Eu não sei o que falar — engoli em seco. — Perdão.

Percebendo o quão perdido eu estava, Anne se aproximou, sussurrando:

— Não se preocupe, pelo menos por agora.

A voz dela transmitia segurança. Todavia, isso não era o suficiente.

Talvez esse tenha sido o momento em que mais me odiei, afirmo isso sem o menor arrependimento, pois, no fundo, gostaria de ser o herói perfeito que todos esperavam. Porém, não me sentia à vontade para exercer tal função. Sendo sincero, duvidava da minha capacidade.

Enquanto Anne falava sobre as mudanças que aconteceriam, continuei a agir como uma estátua. Uma estátua cuja história ninguém conhecia, mas, mesmo assim, exaltavam.

Quando retornei à minha normalidade, vi que Gaspar estava mais perto de mim. Ele falava sobre algo que eu não conseguia entender.

— Viva o príncipe Crispim Guacci! — gritava a multidão, de modo crescente. — Nossa esperança de libertação!

O coro se dividia em dois, um lado gritava a primeira parte da frase, o outro pronunciava a segunda com convicção. A reação deles me fazia agir com estranheza, pois estavam ali por mim, gritavam por mim. Mas eu... eu não tinha certeza do que poderia fazer por eles.

— Demonstre interesse — aconselhou Gaspar. — Não precisa acenar, mas sorria. Faça eles confiarem em você.

Seguindo as instruções, olhei para a frente e forcei um sorriso.

Na lateral esquerda, próximo a um Dartion de cabelos brancos, avistei alguém que se escondia por trás de uma máscara. Devo tê-lo encarado por quase um minuto. Entretanto, aquele ser desapareceu sem deixar vestígios. Tentei localizá-lo, busquei em todas as direções, mas nada de avistá-lo de novo.

— O que foi? — perguntou Gaspar.

— Vi um mascarado.

— Zambzug? — sussurrou. — Ele é estranho... mas é um dos Dartions mais velhos que conhecemos. Não conheço ninguém que já tenha visto o rosto dele.

Pelo tom de voz, logo percebi que tinha algo incomodando Gaspar. Lembrei também que ele queria me contar algo, mas toda vez que tentava falar, alguma coisa acontecia.

Assim que Anne controlou a empolgação do povo, agradeci aos céus. Ela os orientou a irem para casa, pois em breve eu estaria preparado para fazer o pronunciamento oficial. Ao descermos da torre, optei por andar na frente com Gaspar. Era a oportunidade perfeita de ele me contar o que estava devendo.

Quando estávamos próximos a uma das portas principais do templo, falei:

— Gaspar, não sei se lembra. Mas antes de piorar, você tentou me dizer algo e, apesar de suas palavras não terem feito muito sentido, isso não saiu da minha cabeça. Então, quero saber: o que ia me falar naquele dia?

Reluscer - O SucessorWhere stories live. Discover now