Capítulo 47 - Agentes investigativos

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Guilherme

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Chegando ao Rio de Janeiro, fui até o endereço do hospital que Bernardo tinha me passado. Procurei o Camilo, um dos responsáveis pelas fichas de entradas a saída do hospital (Miguel Couto - Leblon) há anos e também grande amigo do meu namorado.   

Depois de um vasculhamento detalhado de horas nos arquivos, Camilo finalmente me informou que Clara havia sido internada no ano de 2013, exatos 3 anos atrás, no CTI em estado grave. Incrivelmente, após a queda, ela ainda sim havia chegado com vida. Na ficha contava também que apesar de sinais vitais, Clara teve serias fraturas e chegou sem consciência acompanhada de sua mãe.

Segundo ele, na descrição continha que a jovem de 20 anos havia caído da sacada de um prédio de 14 andares, atingindo a cobertura de uma garagem e em seguida o chão. A queda foi amortecida pelo telhado de metal que protegia os carros dos moradores do prédio. Apesar da gravidade da queda, ela milagrosamente havia sobrevivido, apesar das serias sequelas deixadas.  Foi uma queda livre de 40 metros aproximadamente. Clara, foi hospitalizada imediatamente após o acidente, com sangramento interno, rompimento do fígado e fraturas em bacia, vértebras lombares, ombro e várias costelas, fraturas na pélvis e no fêmur, além de outros ferimentos... e piorando seu estado, ela permanecia inconsciente.

Lembro-me que Bernardo havia comentado em outra ocasião que quando a equipe de enfermeiros e socorristas chegaram ao local, a Clara ainda estava sem consciência, e havia sido levada para o hospital por uma ambulância do Corpo de Bombeiros. Detalhes que Eduarda nunca me disse no ano de sua morte, por talvez também desconhecer o fatos. A questão é que quanto mais busco respostas, mais encho-me de perguntas.

— Bom, isso é tudo que sei. Não sei se pude ajudar muito, na verdade são informações sigilosas, mas como o Bernardo é meu amigo de anos, eu não poderia me negar a ajudar. — ele afirmou voltando a guardar a ficha.

— Antes de eu ir, eu preciso que me responda apenas mais uma coisa... A paciente veio a óbito, ou escapou com vida?   

— Ela teve uma uma trajetória "milagrosa" durante os anos que passou aqui.

— Anos? — indaguei surpreso e perplexo. 

— Sim, ela passou cerca de quase dois anos aqui. Em coma. Ao contrário do que vemos em filmes, novelas e livros, estar em coma é uma situação muito mais grave e com efeitos que podem durar até uma vida inteira. No caso da sua amiga, aconteceu porque o oxigênio no sangue tornou-se muito baixo e ela entrou em choque séptico. Na maioria das vezes as pessoas que entram em coma ficam neste estado por algumas semanas apenas, mas existem pessoas que estão nesta triste situação por meses e até anos! Especialistas afirmam que quanto mais tempo uma pessoa estiver em coma, menos suscetível ela estará de acordar. Mas incrivelmente, logo após a morte de sua mãe, ela acordou. 

Acho que o fato de que sua mãe era sua fiel companheira e lhe lia livros todas noites, colocava canções e conversava constantemente com sua filha apesar do coma, de certa forma a mantinha nesse plano. Sua mãe tinha a mania de dizer que tinha certeza que sua filha conseguia ouvi-la, mesmo desacordada. 

Uma certa noite, entrei no quarto para pegar a ficha técnica da paciente com o médico responsável, e sua mãe me chamou para um momento de desabafo. Afirmou que estava sentindo que talvez não fosse estar viva quando sua filha finalmente acordasse. Pediu que eu colocasse na ficha o número do único parente vivo que elas tinham, um tio de Clara e irmão da mesma, por nome de Augusto, para o caso de algo acontecer com ela, e não mais pudesse cuidar de sua própria filha, ele deveria ser informado. 

Eu anexei o número a ficha, e me choquei ao saber que mais tarde, dias depois, aquela amigável senhora havia morrido. Me intrigou o fato de que alguém pudesse sentir a própria morte aproximando-se. Incrivelmente, quanto toda a  equipe já estava sem esperanças, e quanto todos indagavam se o melhor não seria desligar os aparelhos, ela despertou.  Foi sorte sua mãe ter optado por mantê-la viva, mesmo sendo informada de que ela provavelmente nunca mais acordasse novamente. Incrivelmente ela acreditava que de fato sua filha sairia com vida dessa, mas não conseguiu viver o suficiente para ter certeza.

Após acordar, Clara ainda ficou de cama por mais seis meses em um tubo de alimentação. Os meses de cama devastou completamente o corpo da paciente bem como suas funções motoras, mas ela lutou diariamente com muita garra e determinação. Ela pouco-a-pouco reaprendeu a engolir para que ela pudesse se alimentar sem o auxílio de tubos de alimentação. Sem conseguir se comunicar bem inicialmente, ela começou a ser auxiliada por Tulius, um dos responsáveis pela casa de repouso da qual ela foi enviada. Todos os dias ele a incentivava a se comunicar nem que fosse com um gesto ou algum barulho. Quase um ano após o início deste trabalho, Clara começou reagir ao tratamento e voltou a conversar com pessoas a sua volta. Apesar das sequelas e dela estar usando cadeira de rodas para ajudar a se mover melhor durante o período que estava vivendo, naquele momento, decidimos que ela já estava pronta para voltar para casa. Foi então que seu tio, após ser informado de tudo, a levou consigo.

 — Bom, isso é tudo que sei.  Eu não sei os detalhes do acidente, porque eu não estava lá. Mas pelo que ouvir dizer, eu não sei como ela sobreviveu, só pode ter sido milagre. 

 — Você sabe onde mora esse tal tio? Isso consta na ficha? — indaguei sedento por informações.

— Não. Tudo que tenho dele é um número de telefone e um documento deixado por Valentina Maria Avelar onde dava plenos poderes ao mesmo para levar sua filha caso algo acontecesse a ela.

 — Sei que você não pode fazer isso, e vai contra suas regras, mas acredite, é um caso de vida ou morte.. Me consegue por favor esse número de telefone?  

— Eu não posso... Eu já fiz tudo que podia por você.

— Eu imploro! — o olhei com os olhos de suplicas. 

— Eu vou dar pelo respeito que tenho ao Bernardo, mas espero que isso não venha a prejudicar meu trabalho. 

— Juro que não vai. — prometi.

— Aqui está. —  falou entregando-me um pedaço de papel.

Sai daquele hospital e fui direto para o hotel encontrar com Rafael e Samantha que estavam ansiosos por noticias. Eu preferi deixa-los lá, porque muita gente no hospital causaria um tumulto e levantaria suspeitas quanto ao levantamento de informações. Por sorte eu estava hospedado bem próximo. Com aquele número nas mãos eu estava me sentindo quase um agente criminal. Faltava pouco para que todas as peças do quebra-cabeça fossem solucionadas.  

Rafael

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— Primo, finalmente você chegou poha! Eu já estou quase sem cabelos esperando por noticias. —metralhei assim que ele entrou pela porta.

— Podia ter aproveitado que sai para namorar com sua amada e tirar esse estresse todo de quem não fode há anos. — sorriu divertidamente fazendo piada.

— E quem consegue namorar com tanta ansiedade? — Samantha indagou. — Mas e ai Gui, você conseguiu descobrir algo? — sua voz era de total euforia.

— Eu consegui um número que pode ser de um tio de Clara. No entanto, tentei ligar neste número, e incrivelmente não chama. Isso me tirou as esperanças por completo. — Gui disse desapontado.

— Espera, tenho uma ideia. Me dá o número? — falei sorridente, certo de que eu poderia salvar a pátria e continuei... — Posso colocar no GPS e ver a ultima localização deste número. 

— Isso primo! Boa ideia. Cara você é um gênio. — falou entregando-me o pequeno papel.

— Aqui está marcando Petrolina - Pernambuco como ultima localização. — afirmei olhando o pequeno visor do meu celular.

— Lembro-me de que há muito tempo atrás, quando Clara e eu ainda trabalhavamos juntas, Clarinha havia mesmo comentado que seus pais haviam nascido em Petrolina.

— Cara, ainda bem que eu trouxe vocês comigo. O que seria de mim sem meus agente investigativos? — falou no envolvendo num abraço coletivo. — Então está decidido, Petrolina será nosso próximo destino.  — Gui disse nos olhando focadamente.

Sinto que essa busca por Clara está apenas no começo da nossa dura jornada, mas fico a me perguntar: Será mesmo possível que ela ainda esteja viva? Ou será uma fantasia de nossas cabeças? Ainda sinto-me tão culpado pela minha parcela em toda essa historia que talvez encara-la outra vez não será um trabalho nada fácil. Desejo que a viva me dê realmente essa chance de consertar as coisas, de implorar por um pedido de perdão. Mas por outro lado eu temo, e se ela estiver de fato viva, mas irreconhecível? E se ela estiver com graves sequelas e apenas vegetando? E se ela estiver vivendo uma vida cheia de limitações? Eu não aguentaria sentir que sou o culpado por tudo uma outra vez. 

2 - Colorindo uma vida de tons cinzasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora