Capítulo 30 - O diario

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Melissa

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— Um diário?  — indaguei a mim mesma, mirando uma especie de livro bastante gasto e empoeirado entre as gavetas que Eduarda me disponibilizou para guardar minhas roupas. — Seria muito errado da minha parte abri-lo? — indaguei ao meu subconsciente.  Não quero invadir desta forma a privacidade de Eduarda, mas por outro lado, a curiosidade está matando-me. — Dane-se. —  ignorei meu lado politicamente correto, aproveitei que estava sozinha em casa e folhei a primeira pagina. —  Céus, é o diário da falecida namorada de Duda. — me senti perplexa após me dar conta. 

Uma folha solta se encontrava entre as paginas daquele diário. Aquilo me parecia ser bastante importante. As marcas de sangue me deixavam assustadoramente curiosa quanto ao conteúdo. —Ler ou não ler? Eis a questão.— tomei o papel em minhas mãos e o encarei por longos minutos.  

— Melissa? — soou a voz de Eduarda adentrando o quarto. Céus! Eu estava tão cega de curiosidade que nem ouvi seus passos em aviso à sua chegada. Soltei rapidamente o diário afogada no meu profundo nervosismo, mas infelizmente o olhar de Eduarda já o havia capturado. — estava lendo o diário de Clara? — sua expressão estava tensa e seu sorriso havia sumido. 

— Eu... eu... bem, o encontrei por acaso. Você havia me oferecido os espaços das gavetas do seu guarda-roupas e eu fui arrumar minhas coisas, já que eu estava entendiada e me sentindo sozinha. Mas acabei o encontrando por acaso e pensei que era um livro. Abri para ter certeza e quando me dei conta de que se tratava de um diário, o fechei e não violei sua privacidade. — ela se aproximou um pouco mais com tristeza estampada em seus olhos e pegou o objeto em suas mãos.

— Desde que ela se foi, isso foi tudo que me restou. Durante anos li e reli as coisas que estão aqui. Era uma forma de me sentir mais próxima dela. Com suas escritas, pude conhece-la a fundo, como nunca antes eu havia sido capaz. Passei a entender seus medos, suas dores, suas saudades. Acredita que ela morria de medo de altura?

— É antagônico pensar que alguém que morria de medo de altura, se jogou do alto de uma sacada.  

— É que talvez seu medo maior fosse ficar sem mim, e eu percebi muito tardiamente. — uma lágrima nasceu em seus olhos. Com meu coração tocado pelo momento, sentei ao seu lado na cama e a abracei fortemente.

— Não se culpe tanto, Duda. Na vida há coisas que não podem ser mudadas. Ela sempre será a melhor parte de você, mas você precisa se desligar um pouco dessas lembranças. Não acha que ela iria te querer ver bem? Te ver feliz e sorrindo? Você não é culpada pelo que houve. — minhas palavras eram caladas por seus soluços. Envolvi seu corpo mais fortemente em meus braços e olhando em seus olhos falei:

— Você tem que curar suas feridas. Os machucados não podem doer para todo o sempre. Eu estou aqui para te ajudar a cicatrizar cada uma delas. — Seus olhinhos marcados por uma escuridão profunda e um abismo de tristeza, procuravam os meus. Acariciei seu rosto e vagarosamente fui aproximando nossos lábios. Eu queria parar, eu sabia que não podia me aproveitar desse momento de fragilidade em que ela estava vivendo, mas aquele desejo de tocar sua boca com a minha era mais forte que qualquer coisa em mim. O beijo então aconteceu. Eu sentia o toque suave de sua boca e pedia que a terra parasse de girar naquele momento. Nunca antes me imaginei beijando uma garota, mas com ela era diferente, Eduarda é diferente. Eu sentia a necessidade de cuida-la e ser cuidada por ela. 

— Não, não, não... Nunca mais me beije outra vez Melissa. — Ela vociferou se desprendendo de mim como se tivesse acabado de receber o pior beijo de sua vida. Eu não entendia a causa de tê-la deixado tão nervosa, mas enquanto ela segurava em suas mãos o diário e o encarava, eu já podia imaginar o porquê da sua atitude. Bateu forte a porta do quarto e saiu sozinha por ai, não me deixando saber sobre seu destino. Certamente, assim como eu, precisava pensar.

Confesso que estou me sentindo cortada e profundamente machucada. Não exatamente pela recusa do beijo, mas pela forma como ela agiu. Talvez minha gravidez esteja me deixando mais sensível que o normal, talvez eu apenas esteja misturando a gratidão que sinto por algo mais. Não sei exatamente o que pensar em relação a toda essa volta que a minha vida está dando nos últimos tempos. 

Eduarda

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Ficar com uma garota de programa seria trair o meu amor por Clara. Eu fui a culpada por tê-la dado motivos para cometer suicídio. Eu a julguei mal e lhe chamei de coisas absurdas apenas pela ideia de que talvez ela saísse com homens por dinheiro. Eu não posso simplesmente esquecer meu passado e me envolver com uma ex garota de programa. Se isso acontecer, a morte de Clara será um peso ainda maior para mim. Eu vociferei tantas vezes afirmando que estava com uma vadia, uma mulher fácil, machucando seus sentimentos, tudo isso para que? Para que quando ela não aguentasse mais e tirasse sua própria vida, eu corresse para os braços de uma outra que faz exatamente aquilo que sempre condenei em Clara? Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria agido de forma tão diferente. Me arrependo de tê-la mandado embora da minha casa coberta somente por um lençol. Me arrependo de ter beijado outra diante de seus olhos e de não ter acreditado no que ela me disse. Me arrependo de ter deixado Clara partir sem tê-la falado pela ultima vez o quanto eu a amava.

O beijo de Melissa me fez sentir borboletas em meu estômago, desde a morte do meu único amor, essa foi a primeira vez que me senti assim. Mas eu não posso, eu realmente não posso me deixar levar por essas reações. Talvez o melhor seja esperar até que seu filho venha ao mundo, e assim eu tome meu rumo para longe. Tê-la perto será torturante. Sentir seu cheiro e não abraça-la, olhar seus lábios e não lembrar deste beijo, será cada dia mais difícil. No entanto, estou guardando todas as minhas forças para honrar a memoria daquela que nunca vou conseguir esquecer. — enquanto eu dirigia meu carro, me sentia afogada entre meus pensamento. Pisar no acelerador e seguir sem rumo era naquele momento a forma mais imediata de me aliviar da dor no meu peito.  

Por que comigo sempre tem que ser tudo tão complicado? Por que eu simplesmente não posso amar e ser amada. Por que tenho sempre que machucar todos a minha volta? Primeiro Rafael, Depois Clara, Lívia, e agora Melissa. É tão doloroso não se sentir boa o suficiente para fazer alguém feliz. — enquanto o céu parecia desmoronar sobre minha cabeça, o som do carro no ultimo volume tocava Summertime Sadness - Lana Del Rey e minhas lágrimas já não se mantinham seguras dentro de mim.

2 - Colorindo uma vida de tons cinzasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora