Capítulo 6 - Consciência

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Rafael

— Quem ela acha que é para vir até aqui, despejar um monte de palavras idiotas e depois ir embora assim? - perguntei enfurecido encarando Guilherme.

— Dá um desconto pra ela, sabemos que desde a morte de Clara ela não é a mesma. - ele respondeu desapontado tentando aliviar o lado da amiga. — e sabemos que sua volta resultaria nisso mais cedo ou mais tarde. Você também aprontou demais Rafael.

— O que esperava que eu fizesse? Meu pai não aceita que eu volte pra lá, pois acha que minha identidade de gênero e minhas passagens na delegacia envergonham grandemente a família... Você é o mais próximo de família que tenho... O único que não me vira as costas... Meu pai, "o grande advogado criminalista do país", acha que ser pai é pôr filho no mundo e manter por anos uma gorda mesada. Eu não voltei para fazer mal algum para Eduarda ou a quem quer que seja primo, voltei porque só aqui me sinto em casa.

— Então mostre que mudou. Eu estou farto das suas burradas. É a última chance que estou te dando. Eu briguei com a minha melhor amiga por você, porque acredito que desta vez você aprendeu, então não desaponte a única pessoa que está do seu lado. Se sou mesmo o mais próximo de uma família que tens, então me dê motivos para sentir orgulho. Torne-se o homem que sempre quis ser. Não estou falando de corpo, estou falando de carácter. — falou me abraçando e motivando-me a mudar... repentinamente a campainha toca outra vez.

— Quem pode ser agora? Será que a Eduarda voltou? - Guilherme indagou me olhando surpreso.

— Vou conferir, mas sinceramente espero que não seja, afinal ela já deu o showzinho por hoje. - fui em destino a porta e me surpreendi mais uma vez - Você? - perguntei abismado ao me deparar com Lívia.

— Sim, sou eu. Algum problema eu frequentar a casando meu amigo? Afinal, até onde sei essa casa continua sendo do Gui. - ela usou um tom debochado.

— Não deveria ter vindo. Sei muito bem que foi você que foi bater pra Eduarda que eu tinha voltado. Você foi a única que me viu aqui. O que pretendia com isso, garota? Semear discórdia?

— Mais cedo ou mais tarde ela iria saber, eu preferi que fosse por mim, que sou sua melhor amiga.

— Posso saber o que veio fazer aqui sua fofoqueirazinha de uma figa? - vociferei.

— Vim evitar que Eduarda sujasse as mãos com você. Apesar de ser tão desprezível, vim impedir o pior. — sua expressão demonstrava nojo explícito ao me olhar.

— Veio atrasada Liv. A Duda já foi embora e saiu daqui cuspindo fogo comigo, chegou a dizer que se arrepende de um dia ter me chamado de amigo. — falou Guilherme com total desapontamento em seu olhar.

— Pronto! Agora que já sabe que sua amiguinha não está aqui, pode dá meia volta e ir feito uma cachorrinha atrás da dona. — debochei.

— Antes parecer uma cachorrinha, que ser assassino de uma. - ela pegou pesado em seus dizeres.

— Já chega Liv. É melhor você ir também, nossos ânimos estão bastante alterados e palavras machucam mais que socos. Rafael errou sim, mas já pagou perante a lei por tudo. Eu sei que meu primo errou, mas todos merecemos uma outra chance. Clara não suportou o peso das palavras que ouviu das pessoas que amava e tirou sua própria vida. Porque será que não conseguimos aprender com isso e passar a medir nossa palavras?

— Você tem razão! Já que Eduarda não está presente e felizmente não matou ninguém, não há mais nada a fazer aqui. Gui desculpa qualquer coisa... Eu não quis te chatear. Quando quiser me avisa que daí a gente marca pra colocar o papo em dia. Seria bom conversamos, sem esse clima de tensão. Beijos e mais uma vez me perdoa por qualquer coisa que eu tenha dito que por ventura te chateou. - falou seguindo seu caminho e se perdendo do meu alcance de visão. As palavras cortantes de Lívia sem dúvida me machucaram ainda mais que as de Eduarda. Guilherme notou em meu olhar o quanto aquela situação havia me abalado.

— Calma primo, não vai ser fácil, elas vão precisar de um tempo para ver que você realmente mudou. — ele tentou me encorajar outra vez, mas qualquer tentativa naquele momento seria inútil.

— Vou subir para o meu quarto Gui, Preciso ficar um pouco sozinho. — falei cabisbaixo subindo as escadas.

Quando finalmente pude fechar a porta e entrar no meu campo de refúgio, deixei as lágrimas que até então estavam presas, rolarem livres. A verdade é que eu já não sabia quem era de fato o Rafael que me dominava. Será que sou o bad boy que contribuiu com a morte de Clara e seu cão ou sou um cara legal que se perdeu nos caminhos tortos da vida? É tão ruim não conhecer a si mesmo, não saber seus próprios limites. Nada doí mais que uma consciência pesada. É horrivel se olhar no espelho e sentir vergonha de si mesmo. Como mostrar que estou tentando mudar se nem eu mesmo sei se consigo? A verdade é que não tenho limites, ou talvez eu só não os conheça. Sentei-me naquele chão frio do quarto, olhei ao meu lado e não vi ninguém. Outra lágrima caminhou em meu rosto, essa lágrima era diferente, era uma lágrima que me trazia lembranças... Flash de memórias passaram na minha cabeça e me fizeram voltar há três anos atrás, retrocedi até a última noite que estive com clara no carro do Guilherme quando voltamos juntos da última balada de sua vida. Ela estava tristonha por ter visto Lívia e Duda juntas, e mesmo muito mal por saber que tudo aquilo era culpa minha, foi capaz de enxergar em mim algo de bom. Lembro exatamente as pelavras que ela usou:

— Sabe Rafael? Eu acredito que não sejas tão ruim quanto se vê. O amor as vezes cura e as vezes fere. Certamente nem todo mundo reage igualmente as dores que ele causa. Não concordo com nada do que fez, mas no fundo eu te entendo.

Ao lembrar dessas palavras entendi que se mesmo Clara, a garota que mais fiz mal, foi capaz de enxergar algo bom em mim, eu posso mostrar aos outros que não sou esse ser desprezível que eu mesmo cheguei a acreditar ser.

No fundo o arrependimento me axficiava. Descobri tarde demais o quanto machuquei uma pessoa tão especial por um ciúmes cego e doentio. As vezes quando penso na solidão, (não na solidão de uma companheira, mas na solidão de ser desprezado por quem nos deu a vida) eu sinto que minha vida não tem sentido algum. Eu não vivo, apenas tenho sobrevivido. Não há maior castigo que a solidão. Clara, apesar de seu pouco tempo de vida, foi grandemente amada. Tinha uma mãe que sentia orgulho de tê-la como filha, uma namorada que apesar de tudo a amava e ainda conseguia ser uma garota encantadora, diferentemente de um mostro feito eu. No fundo eu entendo a Eduarda por tê-la escolhido.

Lágrimas, angústias e memórias definiram minha longa noite. No fundo eu só queria nunca ter entrado na vida dessas pessoas. Sou como uma bomba relógio que machuca ainda que sem querer, todos a sua volta. Deitei minha cabeça na cama e tentei dormir, mas as lembranças continuavam a me axficiar.

2 - Colorindo uma vida de tons cinzasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora