Capítulo 11 - O despertar

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Lívia

Acordei com o barulho irritante do despertador do meu celular.  Olhei em volta e notei um ambiente estranho com decorações de tons escuros nas paredes do quarto. Meu cérebro ainda em lento processamento, não conseguiu similar o que eu estava fazendo ali. Pouco-a-pouco flash de memórias voltavam a minha cabeça, esfreguei meus olhos e voltei meu olhar para o chão que deveria estar preenchido com aquele demônio que atende por nome de Rafael. Me surpreendi, ele já não mais estava lá, certamente havia descido para preparar o café... Respirei fundo e sentindo-me só, tomei a liberdade de me espreguiçar melhor, sem que ninguém visse, mas ao olhar o lado da cama que deveria estar vazio, notei a presença do filho do capeta, digo, do Rafael.

Não acredito! Não pode ser! Não quero acreditar! Me recuso a acreditar que ele esperou eu dormir para se aproveitar da situação.

  —  Acordaaaaaaaa seu cretino! Te quero bem vivo para assistir sua própria morte. Já aviso que será lenta e dolorosa. Vou fazer picadinho de filho do capiroto para o jantar. — falei aos berros na tentativa de desperta-lo daquele sono profundo.

—  O que foi agora? Outro pesadelo? Você não cansa de gritar não? Aliás, você sabe fazer alguma coisa na sua vida além de gritar? As vezes penso que você é uma estérica, louca e descontrolada, as vezes tenho certeza.   —  ele esbravejou sonolento, apoiando seus ombros sobre a cama e encarando-me.

—   E você parece um maníaco que espera a garota dormir, para se aproveitar dela. - retribui disparando prontamente.

— Se aproveitar? Já se olhou no espelho? Se eu ficasse com você, seria você que conseguiria aproveitar alguma coisa da situação, não eu. Já parou pra sentir esse seu bafo horrível de quem não escovou os dentes desde ontem a noite? Já notou que essa juba que você chama de cabelo está semelhantes a mata atlântica em processo de reflorestamento? Isso sem lembrar que sua voz é tão insuportável quanto o barulho desta sua droga de celular que não para de tocar. Agora vai atender a porra deste telefone e me deixa voltar a dormir, afinal de contas, caso você não lembre, a cama da qual fui expulso me pertence. —  eu tentei falar qualquer coisa para me sentir menos pior do que eu estava, mas a verdade é que eu não sabia mais o que dizer, ele tinha detonado meu humor da pior forma possível. Atendi o celular e nem parei para olhar quem estava ligando. Na verdade eu só precisava de uma desculpa para sair daquela discussão com o minimo de dignidade sem parecer tão derrotada.

—  Alô? —  falei saindo do quarto e me encaminhando ao banheiro.

— Liv, sou eu, Eduarda. Liguei para me desculpar por ter desligado o celular quando você ainda falava, ontem a noite. É que eu precisava de um tempo sozinha para pensar.  Estou te retornando porque recebi inúmeras mensagens informando que seu número havia me ligado, e para não te deixar preocupada, resolvi te avisar que estou bem. 

  —  Eu passei a noite preocupada e desesperada por noticias suas e somente agora liga pra dizer que esta tudo bem? Como se nada tivesse acontecido?  

—  Liv, já me desculpei e não posso falar muito agora, estou entrando na redação do jornal e preciso desligar. Já ouvi muita reclamação da minha mãe hoje pela manhã, não começa você também, pois minha cota diária já estourou.  A noite passo na sua casa para me desculpar formalmente por ontem, essa ligação foi só para tranquilizar a amiga mais linda deste mundo. — falou puxando meu saco. — Beijos, beijos e beijos. Até a noite! Fui. — falou desligando a chamada. A irresponsabilidade de Eduarda com as pessoas que se importam com ela era cada dia mais assustadora. Não falo só por mim, mas por sua mãe também.

Ao desligar a chamada, olhei minha imagem no espelho do banheiro e quase me assustei com minha própria aparência. Rafael tinha mesmo um pouco de razão. Tomei um banho, peguei uma das escovas embaladas que estava no banheiro e escovei os dentes relembrando as palavras duras que Rafael usou. Eu sei que ele propositadamente havia exagerado para me fazer sentir menor, mas a verdade é que fez uma grande estrago ao meu alto - estima. Voltei ao quarto, peguei uma da suas roupas masculinas e sai no estilo boyzinha para minha casa, deixando para trás Rafael dormindo. Lembrarei de dizer o quão alto ele ronca, baba e tem aparência asquerosa enquanto dorme. Sei que nada disso é verdade, mas ele nunca saberá, até porque ele não pode se ver dormindo e eu certamente não ficarei por baixo em relação a tudo que ouvi mais cedo. Esse idiota não perderá por esperar... Antes de fechar a porta do quarto e sair, escrevi um bilhete que dizia:

"Fui embora por não aguentar mais ouvir seus roncos estridentes, que mais parecem de um porco infartando que de um ser humano saudável."

Confesso que escrever isso me deixou de alma lavada. Deixei o bilhete no criado-mudo e voltei para meu apartamento me sentindo vingada.


Eduarda

**

Chegando na redação dei de cara com o Guilherme. O clima entre nos ainda permanecia um pouco tenso, mas levando em conta que ele é meu melhor amigo, tentei pensar que tudo havia sido falado em uma situação complexa, mas que já havia passado. Sorri simpaticamente pra ele em sinal de paz. Ele se aproximou me abraçando e dizendo:

 —  Você não pode ficar brava comigo, somos irmãos e irmãos brigam, se odeiam, quase se matam num dia, mas no outro sempre fazem as pazes.  E sem mim, sabemos que você ficará incompleta, todos sabem que sou sua alma gêmea gay. — ele falou sorrindo e me abraçando. Apesar de tudo, eu realmente não conseguia ficar brava com o Guilherme por muito tempo. — Sem mim, quem será tão sincero ao ponto de te alertar que você está com mais olheiras que a noiva cadáver? Cruzes! Quem é você e o que fez com a minha amiga? Anda, vamos? Precisamos retocar essa maquiagem. Você está com uma aparência de quem não dorme há um século. Daqui a pouco vai ser confundida com uma múmia... Aposto que isso foi resultado de outra social. — falou tentando adivinhar enquanto me levava até sua sala. 

—  Na verdade não foi nada relacionado a social. Foi lágrimas e uma noite inteira acordada. Apos sair da sua casa, desabei em meus próprios sentimentos. Sorte ter a Melissa para conversar um pouco ou sei lá onde eu estaria agora. Certamente ainda no carro dirigindo sem rumo.

—  Pera ai produção! Quem é Melissa na conversa? Sua nova namorada? Não me diga que você também está formando um par e não me avisou? Pera ai de novo, você não avisou sobre sua nova conquista para mim que sou seu melhor amigo? Primeiro  o Rafael e agora você? Virou moda me esconder as coisas? 

  —  Ela não é minha namorada, ficante, conquista, e nem nada do tipo... é apenas uma amiga, e se não mencionei antes com você, foi por puro esquecimento, mas vou agendar um programinha de fim de semana para apresentar vocês formalmente, você vai adora-la... Agora me explica uma coisa, que historia é essa de "você também está formando um par"? Quem está formando par romântico para você ter usado o termo "também" ?

 — Vixe nossa senhora da moda fashion, eu e minha boca grande!  —  arregalou os olhos perplexo ao se dar conta do que tinha deixado escapar.  —  não é ninguém não, apenas coisas da minha cabeça.

— Não me esconda... Ajoelhou agora reza. Não vai deixar sua melhor amiga curiosa, não é mesmo?   —  na arte da persuasão, eu domino. Guilherme não conseguiu prender a noticia e euforicamente contou:

— Não surta e nem conta pra ninguém que te falei em primeira mão, mas acho que Lívia e Rafael estão se pegando.

 —De onde tirou essa loucura? É óbvio que você está enganado. Lívia jamais ficaria com aquele ser desprezível! — eu me neguei a todo custo em acreditar naquela ladainha sem fundamentos.

— Ela já ficou! Meus próprios olhos presenciaram a cena de vê-los dividindo a mesma cama. Acha mesmo que isso não quer dizer nada?

Naquele segundo eu já não sabia o que dizer e como agir. Eu realmente me recusava à acreditar no que os meus ouvidos ouviam. Ignorei a onda de raiva que tentava me dominar e segui para minha sala sem dizer uma só palavra. Aquele notícia abalou todas as minhas estruturas. Minha vontade era abandonar aquela redação e ir naquele mesmo momento até Lívia tirar toda essa história a limpo, mas aguentei firme e dei início a minha rotina de tarefas. O dia tardou a passar, mas quando finalmente eu estava livre, o caminho da casa de Lívia se tornou meu destino imediato. 

2 - Colorindo uma vida de tons cinzasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora