Capítulo 36 - Jornal

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— Você não pode me demitir por um atraso Laura. —  relutei chorando. —Antonietta enxergou em mim uma jovem e promissora jornalista, e eu sei que sou. Não me mande embora por um motivo tão pequeno. 

— Não foi um atraso. Você sabe que não. Foram vários. Suas matérias agora são vazias de conteúdos e  sua coluna está mais amadora que um estagiário em processo de aprendizado conseguiria fazer. Você era uma jornalista incrível, mas optou por perder a paixão pelo que fazia. No inicio eu relevei e tentei acreditar que era por causa da sua perda em relação a sua falecida namorada. No entanto, sua maré ruim não passa e com os dias você só piora.  

— Laura não faz isso por favor, a garota que mora comigo está gravida. Ela não trabalha e eu serei a responsável por cuidar financeiramente dela e da criança. Se você tem um coração ai dentro, me prova isso agora e não me demite. Eu juro que vou melhorar.  —  entre soluços e lagrimas implorei. 

— Como eu disse, aqui é um jornal, não um hospital com ala para questões psicológicas que trata de problemas pessoais. Passe no RH, eles lhe vão conduzir melhor sobre o processo de demissão. 

—  É pela Lívia né?  Isso tudo que está fazendo?

— Hã? O que tem a Lívia?

— Está agindo assim por pura pirraça... Por saber que ela quer a mim e não a ti.

— Eduarda, não seja tão infantil. Não misturo assuntos pessoais com profissionais. Se você fosse capaz de separar o pessoal do profissional também, certamente seria uma profissional melhor.   

— Quem é você para me julgar como profissional? Eu vou passar sim no RH, mas antes quero te deixar uma pequena lembrancinha. Guarda com carinho isso aqui? — ao finalizar essas palavras soquei com toda a força do meu punho seu rosto. Sua boca sangrou e só depois me dei conta do que o meu momento de ódio me levou a fazer.  Esperei que ela revidasse, mas do contrario, ela apenas me encarou e disse:

— Sabia que isso configuraria uma justa causa e mais um processo na justiça?  Só não vou fazer isso porque ao contrario do que pensa, eu tenho um coração e sei que tem uma criança completamente dependente de ti vindo ai. Do contrario eu arrancaria cada centavo do que vai ganhar enfiando um processo no seu... Bem, você pode imaginar o final da frase.  —  falou batendo forte a porta e saindo da sala que antes eu podia chamar de minha, mas que agora, me parecia só mais uma lembrança do passado. Eu me via desconsolada e sem saber como agir.  Respirei fundo, enxuguei as lagrimas, peguei meus pertences e sai dali.

E agora? Escrever é tudo que sei fazer. Não me imagino fazendo outra coisa. O jornal sempre foi a minha paixão e mais ainda, a minha vida. Lágrimas de desapontamento circulavam por meu rosto. Segui até a sala de Guilherme para me despedir do meu grande amigo e fiel companheiro de trabalho, mas sua sala estava vazia e intacta. Me surpreendi, ele quase nunca faltava trabalho. O procurei pelos corredores e um colega de trabalho disse que ele ainda não havia chegado. — Espero que essa cobra também não ouse demiti-lo. — pensei caminhando até o estacionamento, pegando meu carro e indo para longe dali. 

No caminho, meu celular toca por vezes, evito atender por conta do trânsito, mas as chamadas se tornavam cada vez mais frequentes e em menor intervalo de tempo. Com muita preocupação, atendi sem nem ao menos olhar o visor, podia ser a Melissa precisando de mim.

—  Alô? —  falei ao atender a chamada.

—  Duda, sou eu, Rafael. Sei que você me odeia, mas por favor, não desliga, é urgente. É sobre o Guilherme. Avisa no trabalho que ele não vai poder ir hoje.  — o tom de Rafael estava tenso e me passava uma grande insegurança.

—  Eu não estou no jornal, mas por qual motivo ele não pode vir hoje? — meu coração passou a bater mais descompassado. 

— Ele está no hospital em estado bastante grave. — quando o ouvir dizer tais palavras, quase bati o carro com o impacto da noticia.  

— Hã? Como assim em estado bastante grave? O que houve com o Guilherme? Fala Rafael? Diz o que aconteceu com o meu amigo? —  eu o metralhava com as perguntas, sem dar espaços para as respostas.

— Ontem por volta das 4 horas da manhã ele saiu de uma social com alguns amigos e um grupo de homofóbicos os espancaram. Era um grupo grande e Gui e seus amigos não tiveram como se defender.

— Os agressores foram punidos? — indaguei com profunda revolta.

— Não. Conseguiram fugir. —  ele respirou pesadamente como se tivesse segurando o choro. — O quadro de Guilherme é bastante grave. Ele foi atingido a chutes na cabeça e permanece inconsciente.  Eu estou no hospital com ele, se quiser dar uma passadinha aqui, te envio o endereço por mensagem. Ficarei grato se puder informar no jornal. —  ele finalizou seus dizeres e desligou me deixando com o peso da noticia que caiu em minha vida como se fosse uma bomba. 

Meu mundo estava completamente fora do lugar. Primeiro Melissa doente, depois minha demissão e agora meu melhor amigo nesta situação? Esse definitivamente não era o meu dia. É revoltante o fato de que temos que viver na sombra do medo. Por qual razão empurram a sensação de estarmos cometendo um crime por simplesmente amar? Ninguém deveria ser diminuído por amar alguém do mesmo sexo. Não é uma escolha ser hétero, assim como ser gay também não. Mas por que as pessoas ainda levam essa ideia retrógrada adiante de pensar que o desvio da heterossexualidade é uma opção? Não podemos sair de mãos dadas com quem amamos por ser visto como "desrespeito". Não podemos beijar em público para não atingir a "moral" dos demais. Somos atacados e oprimido todos os dias, e mais ainda, somos espancados e em casos extremos: MORTOS. Meu amigo está sofrendo por simplesmente espalhar o amor... e o mais revoltante de tudo isso é a impunidade.

2 - Colorindo uma vida de tons cinzasWhere stories live. Discover now