05 - A chegada do sucessor (parte 2)

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Descobri depois que na linguagem Dartion — dependendo do contexto —, Farol tem o mesmo significado de protetor e mentor.

Após uma nova pausa, Mislan abaixou a cabeça e, quando a ergueu novamente, continuou de modo vagaroso:

— Mas eu falhei. Falhei ao pedir a ajuda de Iris para salvar a sua vida. Ela até fez o que foi pedido, mas em troca levou a minha juventude. Desde então, eu me tornei esse ser vulnerável que jamais pôde te defender ou localizar. Isso até você dar a primeira passada por estas terras — a voz dele foi enfraquecendo na medida em que as frases se completaram.

Tudo o que falava, manifestava-se de modo embaçado na minha mente. Precisei me sentar para conseguir assimilar todas as cenas.

— Então vocês pegaram a pessoa errada. Eu tenho dezenove anos, e não quase quarenta.

— Existe um abismo gigantesco em relação ao tempo entre este mundo e aquele do qual você veio. Na verdade, é um desequilíbrio. Mas pense comigo: dezenove anos no seu antigo mundo, corresponderam a trinta e oito neste. No entanto, isso não é uma regra. Ninguém sabe ao certo quanto tempo se passaria por lá caso passassem meses por aqui — explicou ele.

— Então, onde está esse tal de Elmer Farmug? Meu pai e minha mãe estão vivos? Por que eu não possuo as mesmas características que vocês? — em meio às informações, perguntei em disparada.

Antes que Mislan respondesse, a desconhecida disse:

— Deixa, não precisa se esforçar. Eu conto tudo a ele... Elmer Farmug domina aquele lado da floresta. Quanto a seu pai, nunca consegui me comunicar com ele. Já sua mãe, ela está bem, só que o trabalho na lavoura é muito pesado. Você ainda não se parece conosco porque tem o dom da adaptação. Como não conhece sua verdadeira história, é um humano, pois sempre acreditou nisso.

— Como sabe que minha mãe está bem? — um pouco mais calmo, continuei a interrogar.

— Anne é capaz de se comunicar com animais, principalmente com pássaros. Ela pode mandar recado por qualquer ave — esclareceu Gaspar. — É assim que passa por despercebida pela floresta.

Com aquela informação, entendi o motivo de sentir-me observado pelas aves.

Por um momento, olhei para Salua e a vi quieta. Parecia que ela estava triste. E isso me fez criar novas teorias.

Antes de perguntar mais alguma coisa, virei o rosto na direção de Fred. E, por sua vez, ele disse:

— Quando te vi, não sabia quem você era, mas entendia que precisava te ajudar. Mislan guardou segredo sobre a sua chegada, porque teme que haja um traidor por parte dos que frequentam o Refúgio. Ninguém além de nós deve saber sobre você. Esse é o motivo de estar vestido assim. Quanto menos suspeitarem, melhor.

— A partir de amanhã, é provável que todos saibam... — disse Mislan.

— Por quê? Quer dizer... Como? — perguntou Salua.

— O segundo sol... — alertou Mislan, olhando para cima. — Não se esqueçam da profecia. Não vai demorar muito para relacionarem os antigos escritos com a chegada do príncipe.

— Qual é o significado desse segundo sol? — perguntei.

Coloquei um pequeno pedaço da carne branca no prato. Porém, antes que pudesse saborear a comida, Fred levantou-se e me entregou um pergaminho.

Depois de olhar para os rostos presentes, desenrolei o objeto e foquei na mensagem que ali existia:

Quando os pássaros noturnos voltarem a cantar, um novo confronto irá começar. Quando no mar for atirado o mais perfeito anzol, poderão trazer de volta o segundo sol. Alguns não entenderão, muitos vão resistir, vão tentar desanimá-lo ou encorajá-lo a fugir. Ao lutar como um leão, ele então provará, que tem sangue de rei para o mal derrotar. Protegido por um cata-vento, iluminado por um Farol. No fim só haverá espaço para um único sol.

Tristan Callermuff.

Atordoado pela quantidade de metáforas, comentei:

— Sinceramente? Não entendi nada. Será que alguém pode traduzir, ou pelo menos explicar o significado dessas frases?

— Significa que seu treinamento deve começar o quanto antes — disse Fred. — É preciso acelerar o processo de adaptação física.

Continuei confuso. Entretanto, preferi guardar as outras perguntas para um novo momento, pois percebi que todos estavam famintos, inclusive eu.

Provando o primeiro pedaço de carne, senti um gosto diferente. Era meio amargo, porém, minhas energias estavam tão reduzidas que dispensei a possibilidade de recusa.

Observava o modo que se alimentavam e achava graça do desespero de Gaspar. Ele parecia um tigre, que havia acabado de abocanhar uma presa. Mudando o foco, olhei para Salua e, mais uma vez, tentei adivinhar seus pensamentos.

No término da refeição, Mislan e Anne pediram licença. Ela o guiou e, enquanto saíram, Gaspar disponibilizou-se a mostrar-me algumas partes do Refúgio. No início, achei que fosse chamar Salua e Fred para seguir conosco. Mas, depois de alguns segundos, notei que a intenção era deixá-los a sós.

Reluscer - O SucessorWhere stories live. Discover now