Os Lobos

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O grande Lobo negro liderava um grupo de guerreiros em uma ronda de rotina pela área da floresta que rodeava sua aldeia. Eram patrulhas rotineiras que diariamente faziam como parte da segurança de seu povo e sua Tribo, além do mais era uma válvula de escape para que seus Lobos pudessem se reconectar com a natureza a qual pertenciam, sentiam-se mais fortes e dispostos sempre que faziam isso. Eles eram índios nascidos da linhagem Aikaranis, todos ali descendem de Lobos. Foram abençoados com a licantropia há vinte décadas atrás, por uma força superior da natureza que os julgou dignos por todo cuidado e zelo com suas terras e solo. Alguns poderiam questioná-los por julgarem a transformação como uma bênção, mas para eles era, porque os tornaram fortes, ágeis e resistentes à passagem do tempo. Os Aikaranis não envelheciam como humanos comuns, eles amadurecem até completar a idade ápice de qualquer jovem homem ou mulher.

Depois o envelhecimento entra em uma forma de entorpecimento, os deixando aparentemente saudáveis e hábeis por muitos anos. No início de tudo, a tribo Aikaranis vivia dos mais simples recursos. Não precisavam de muito para satisfazer-se, porém com o passar das décadas, tudo ia evoluindo, tanto a floresta ao redor deles, como os recursos que a terra próspera lhes produzia. Outra mudança foi relacionada aos humanos, alguns poucos forasteiros passaram a bandear-se pelas redondezas de sua aldeia, o medo de humanos descobrindo e invadindo seu solo os forçando-os a modificarem seu modo de vida, sempre ambientando-se aos costumes de acordo com a atualidade da época. Um desses exemplos atuais, foram as antigas habitações indígenas chamadas Ocas. Elas foram sendo transformadas com o tempo, e hoje em dia eles vivem em cabanas moldávelmente construídas e reforçadas com as madeiras dos pinheiros. Possuíam armas como espadas, lanças de aço e facas. E seus rotineiros arco e flecha foram reconstruídos em uma estrutura mais sólida, já não eram mais um pedaço de madeira engenhosamente preso com uma corda. Eles souberam aproveitar os bons recursos que lhe foram dados.

O grande Lobo negro que liderava o bando chamava-se Porã Olcan, tinha como posto ser líder do grupo de guerreiros da Aldeia, e consequentemente era o filho único do Alfa e chefe da tribo. Porã cresceu e foi criado sob as rígidas e inflexíveis leis de seu Pai. Sempre sendo muito cobrado por tudo que fazia, o motivo se dava ao fato de ser o sucessor ao comando e poder da tribo. Então ele tornou-se um exemplo de perfeição em tudo que fazia. Era um exímio lutador, portava com exatidão todas as armas existentes na tribo, e seu lobo era considerado um dos mais fortes entre todos. Mas todas essas qualidades pareciam inúteis à vista de seu Alfa e pai, quando ele não concluía bem uma missão ou ordem que lhe fora dada. Com o tempo ele aprendeu a ignorar tudo isso, e a neutralizar todos seus sentimentos, tornando-se frio e prático com relação a praticamente tudo. Enquanto pastoreavam ao redor, ouviram um grande alvoroço próximo a sua área. Em uma rápida comunicação visual, os lobos dividiram-se e correram para averiguar. Quando aproximaram-se do local viram o exato momento que um de seus fiéis e inimigos milenares, estava prestes a matar uma humana jogada aos seus pés. Porã não pensou muito e optou por agir, partindo para cima da grande fera.

Os lobisomens eram homens transformados em feras que andavam sobre duas pernas. Eles habitavam o lado sul da floresta de Daintree, em uma zona deteriorada por falta de cuidado e despreocupação das feras. Volta e meia bandeavam-se pela área em busca de sangue ou guerra contra os Aikaranis, eles viviam assim há décadas.

Porã lutava habilmente contra o grande lobisomem, seu lobo e ele sempre estavam bem preparados para qualquer tipo de embate, e o monstro a sua frente também lutava com afinco. Aproveitando um lapso de descontração da fera, Porã abocanhou-o no pescoço mordendo firmemente e por fim torcendo o pescoço do lobisomem, fazendo-os cair mole ao chão. Seus olhos foram desviados da besta e atraídos para a humana que parecia apavorada e surpresa ao mesmo tempo, ele duvidava que ela lembrava-se ao menos de como se respirava. Mas logo suas suspeitas foram sanadas no momento em que a observou, levantar-se e correr desajeitadamente rápido para longe deles.

Todos perceberam que o caminho que ela tomava não era exatamente certo, se não parasse logo acabaria estirada dentro de um grande buraco.
Vendo Porã que ela não tinha conhecimento de tal perigo, retornou rapidamente a forma homem, já correndo para salvá-la de novo. Estava tornando-se repetitivo aquela ação com a garota em questão, pensou ele enviesado consigo mesmo. Ele conseguiu pegá-la desajeitadamente no momento em que ela havia escorregado já para dentro do buraco. Assim que segurou seu pulso olhou para seu rosto, diretamente em seus olhos.

Ela tinha os olhos castanhos, mas tão claros que ele conseguiu definir a cor mesmo em meio a escuridão da floresta. Conseguiu ver o exato momento em que uma variedade de emoções passou pelo rosto dela, primeiro a surpresa, seguida pela dúvida e por último o medo. Isso tudo em questões de míseros segundos antes que a sentisse escorregar por sua mão. Tentou firmar o aperto, mas percebeu tarde demais que o braço dela estava tomado por lama, não conseguiria mantê-la. Uma grande agonia tomou seu peito no momento em que a viu indo de encontro ao fundo do buraco. O jovem índio ouviu o que pareciam os ossos dela quebrarem. Sentiu alguém aproximando-se, não precisou virar-se para saber que era Raoni, seu melhor amigo de infância e um dos guerreiros de seu bando. Ele avaliou a humana caída lá dentro.

– Será que está morta? Sinto cheiro de sangue, e não é pouco.

– Ela não está, escute! Seu coração ainda bate.

— E o que faremos então Porã, iremos embora e deixamos ela morrer aqui sozinha ou faremos algo?

O líder ficou em dúvida pensativo. Não era rotineiro eles terem que lidar com humanos, faziam anos que nenhum aproximava-se tanto da Aldeia como aquela garota. E os Aikaranis não confiavam muito neles, haviam tido apenas uma experiência vindoura com aquela raça e eles não eram confiáveis. Então Porã não entendia porque estava exitando em decidir o destino dela se era a coisa mais simples a se fazer, seu pai com certeza ordenaram que abandonassem-na e a deixassem a própria sorte. Mas ele não era seu pai, e algo parecia fazê-lo desviar-se de deixá-la para morrer. Então para não prolongar-sem muito fora de sua tribo dirigiu-lhes sua ordem.

– Vamos tirá-la dali e levar ela conosco.

Eles não titubeavam em meio às suas ordens, então logo começaram a tentar içá-la do buraco. Enquanto isso, seu amigo dei-lhe um toque.

– Espero que não se arrependa do que está fazendo, pois não terá mais volta. E é melhor se preparar, pois seu pai irá querer comê-lo vivo!

Porã tinha plena ciência disso, mas sua consciência não o permitia deixar a humana largada lá. Se tinha algo pelo qual ele precisava mais que a ira de seu pai, era sua consciência. Logo ela estava nos braços de Koda, irmão de Raoni e mais um dos seus. Agindo instintivamente sem pensar, pegou-a do colo dele e começaram a caminhar de volta para a aldeia.

A Batalha dos Lobos Where stories live. Discover now