Capítulo 16

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-Está atrasada. -Escuto a voz de minha mãe atrás de mim assim que saio do vestiário da enfermagem do hospital. Assim que me viro, vejo ela e Layana a seu lado.

-Olá. Eu sei que estou, mas é por uma boa causa. -Comento e sigo minha mãe, que anda em direção a ala que ela estaria hoje. Uma das minhas sortes era que eu estaria de estagiária dela hoje e do bloco cirúrgico, e de quebra teria minha amiga no meu pé.

-Me conta, como que foi o encontro? -Layana comenta enquanto anda a meu lado e ao olhar para ela, vejo como ela estava ansiosa para ter informações sobre o que aconteceu.

-Não vou fala, não agora. Temos pacientes para atender. Temos de ser profissionais. -Digo e entro no posto de enfermagem para pegar os prontuários e checar se não havia tido nenhuma intercorrência durante a noite.

-Quando tivermos um tempo eu vou cobrar. Não posso ficar curiosa dessa forma, isso não se faz comigo. -Escuto ela comentar ao meu lado e reviro os olhos.

-Larga do meu pé e vai trocar o curativo do pé do senhor no quarto onze. -Digo e entrego o prontuário para ela que faz uma careta. Ela odiava fazer isso, e eu sabia. -Ou isso, ou ter de dar banho no quarto quinze. Você escolhe.

-Na verdade, as duas vão me acompanhar no quarto três. Vai ter uma amputação de membro do paciente e eu quero vocês duas na equipe. -Minha mãe aparece atrás de mim e eu levo um pequeno susto e coloco a mão sobre o coração.

Ela começa a ir em direção ao quarto e eu entrego o prontuário em minhas mãos para outra estudante de enfermagem e sigo rapidamente para o local que a mulher já adentrava. Layana também estava ao meu lado e ao chegar no quarto, vemos o senhor de uns sessenta anos, na cama, com a perna direita enfaixada. Sua esposa, apenas um palpite de que seja por causa da aparência e algumas mechas de cabelo já brancas, estava ao seu lado e escutava toda a reclamação do homem na cama.

-Bom dia, senhor Oswald. Como passou a noite? -A mulher de jaleco entrega o prontuário para Layana, que pega rapidamente e passa os olhos pelas palavras ali escritas. Logo ela passa para mim e eu leio rapidamente. Quadro clínico de diabetes, ferida superficial que não melhorava e vivia infeccionada. -Sei que o hospital não é um lugar bom, mas prometo que logo o senhor vai ter alta.

-Vou ter alta coisa nenhuma. Você e essas duas aí vão arrancar minha perna. Vocês são um bando de açougueiros. -Ele comenta e eu seguro minha risada com a maior for a possível. Não era nada ético, mas ele falar daquela forma, todo estressado e com certo medo por perder o membro, tinha certa graça. Mas longe de mim rir disso.

-Já conversamos sobre isso. Ou você vinha ver o que estava acontecendo com sua perna ou a nossa briga iria continuar. Agora isso é pro seu próprio bem. -Eu havia dado o palpite correto. A mulher, julgo mais nova que o homem na cama, diz de forma firme para ele, que se aquieta e fecha a cara.

-Sua esposa tem razão. Se não tivesse vindo ao hospital tão tardiamente, talvez desse para tratar. Mas agora a perna do senhor não tem mais recuperação. Infelizmente chegou no nível de termos de amputar para poder salvar sua vida. Seus exames começaram apresentar alteração por conta da infecção e se não fizermos o quanto antes, o quadro vai se agravar ainda mais e poderá ocorrer uma infecção generalizada, e isso pode levar o senhor a morte. -Minha mãe diz e me entrega uma tesoura, o que suponho que seja para cortar a faixa que envolvia a perna do senhor. Calço as luvas e faço isso, de forma rápida, mas calma para que a tesoura não encostasse em sua perna. O odor que sai das faixas era forte, mas por incrível que pareça, já havia acostumado. Termino de retirar as faixas com cuidado e as enrolo e jogo na lixeira que havia destinada ao  tipo de material ali no quarto e descarto as luvas no mesmo local. 

Minha mãe continuou explicando todo o procedimento que seria feito para o paciente e para a família, e enquanto ela fazia isso, Layana e eu avaliavam os sinais vitais e o membro que seria amputado. Até que começamos a escutar gritos do lado de fora do quarto e vimos alguns profissionais e acompanhantes de pacientes correr.

O page que tínhamos em nossos bolsos começou a apitar e eu olho o meu que estava na cintura e vejo escrito código prata na pequena tela.

-O que está acontecendo, doutora? -A esposa do paciente pergunta e eu olha para minha mãe que estava olhando o aparelho em suas mãos. Ela estava ficando pálida e eu logo entendi que não se tratava de um treinamento, até porque teriam avisado se fosse. Ando até a porta do quarto e minha mãe segura meu braço, me impedindo de sair.

-Esta acontecendo uma emergência no hospital, por isso o caos. Não se preocupem, vocês estão seguros. -Falo para a mulher que olhava para a porta toda preocupada e depois para minha mãe. -Está tudo bem, só se mantém abaixada que tudo dará certo. Todos vocês, fiquem aqui dentro e não saiam.

Ao sair, fecho a porta atrás de mim e vou em direção oposta que as pessoas tinham corrido. A ala cirúrgica era grande, se dividindo em pré-operatório, pós-cirúrgico e no meio de ambas ficavam as salas de cirurgia. Todas as pessoas correram para as portas de entrada do pré-operatório, isso significa que havia alguém armado entre o bloco de cirurgias e os quartos de pós-cirúrgico.

Sei que é idiotice ir em direção ao perigo, mas agora era inevitável. Era como se eu fosse simplesmente arrastada para lá. Alguma espécie de força me puxava para o local, um sentido diferente.

-Vocês vão fazer a cirurgia da minha esposa agora. -Escuto a voz de um homem ao chegar perto e me agachou atrás do balcão da enfermagem e tento distinguir melhor a situação. Ainda não dava para chegar mais próximo sem que me vissem ou atirasse em mim. -Eu posso pagar, mas ela vai morrer se não entrar agora na cirurgia. ESTÃO ESPERANDO O QUE PARA COMEÇAR?

Olho um pouco por cima da bancada e vejo um rapaz alto, magro, de aparência cansada, armado e totalmente confuso no meio do corredor, apontando a arma para a equipe de enfermagem e equipe médica que haviam acabado de sair de uma sala de cirurgia. Ele apontava a arma mas logo mudava o local, colocava as mãos na cabeça e tremia ao apontar a arma novamente para as pessoas. Dava para ver sua testa brilhando de suor e sua camiseta amarelo estava marcada nas costas por conta do nervosismo e suor.

-Calma senhor. Só quero entender a situação. -Uma médica diz e eu volto a me agachar e olhar ao redor para ver se poderia usar algo para me proteger ou acertar o atirador.

-Não tem o que entender. NÃO TEM O QUE ENTENDER. -Ele grita e atira para o alto. Vejo uma bandeja com medicação em cima e pego ela com cuidado para que os frascos não caíssem e chamassem a atenção dele. -FAÇAM A CIRURGIA DELA AGORA.

Me levanto devagar após retirar os frascos da bandeja e me posiciono atrás da parede, com saída para o corredor que ele se encontrava. Eu tinha apenas uma chance, e ainda tinha de tomar o cuidado de não assustar o cara e acabar com alguém morto.

Me preparo para poder correr e acertar ele com a bandeja ou qualquer coisa do tipo, mas ao fazer isso, uma médica que estava a sua frente se assusta e olha para mim, tendo tempo suficiente e espaço entre a gente, ele se vira rapidamente e atira por puro reflexo. Sinto um queimor em meu ombro e continuo a correr, acertando a bandeja em sua mão, fazendo a arma cair. Largo a bandeja e seguro o pulso dele, fazendo com que virasse de costas para mim e eu conseguisse imobilizar o homem até um segurança chegar, o que estava demorando demais.

-Me solta, você está me machucando. -Ele diz e eu faço com que ele ajoelhe no chão, impondo toda minha força para que isso aconteça.

-Cala a boca, você não tem direito de exigir nada aqui. Iria matar inocentes. -Digo e vejo a porta do elevador se abrir e quatro homens armados correrem na nossa direção. Nessa hora eu já estava ficando fraca e agradeci mentalmente por não ter que usar mais força para imobilizar esse cara com um braço apenas.

Assim que dois seguranças seguram o homem, me afasto e tropeço em meu próprio pé e caio sentada no chão. Na verdade, eu já quase caio desacordada no chão.

Sinto mãos tentando estancar o sangramento em meu ombro e só consigo ouvir alguém dizer ao longe algo que mais tarde vir a entender.

-Rápido, para a sala de cirurgia. A bala acertou a artéria subclávia dela. -Apaguei logo depois.

What if it was real?Where stories live. Discover now