CACHORRO-QUENTE

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Há mais ou menos uma hora, nosso filho Jordan me per-
guntou se eu poderia "fazer um cachorro-quente do jeito que
a mamãe faz?" Parei de escrever e fui até a cozinha onde John,
que está com vinte anos, me perguntou se eu poderia dar uma
olhadinha numa proposta de negócio que ele esboçara para
sua aula de contabilidade. Minha mulher, Gayle, não estava
em casa.
—Assim que eu fizer o cachorro-quente do Jordan — disse eu.
—Ah! Ótimo! Não quer fazer um pra mim também? — disse John.
—Está bem — respondi, secamente.
Aborrecido com a minha própria atitude, levemente hesitante entre parar de escrever sobre paz e bondade e praticá-las, colo-
quei as salsichas de frango para ferver no molho, enquanto pen-
sava no tremendo paradoxo que estava vivendo.
Ali estava eu pensando em como não conseguia fazer o que
queria fazer, me perguntando onde Gayle e eu havíamos errado,
já que os nossos filhos não conseguiam fazer seus próprios ca-
chorros-quentes. Ao mesmo tempo, eu me sentia satisfeito pela
decisão de deixarmos os meninos decidirem se queriam ou não
ser vegetarianos e me questionava se uma galinha criada em con-
finamento era mais saudável do que uma galinha caipira...
Num certo sentido, nós temos duas mentes: uma, íntegra e
tranqüila; a outra, fragmentada e ocupada. Eu, com certeza,
tinha acionado a mente ocupada.

Se fosse possível resumir todos os ensinamentos espi-
rituais numa única frase, esta chegaria bem perto: "Faça
com que seu estado mental seja mais importante do que
o que você estiver fazendo."

Tenho praticado o suficiente para saber que o ato de esvaziar
a mente e deixar os pensamentos fluírem é bem melhor e mais
saudável do que a sensação oposta. Embora já tivesse dado
alguns passos na direção certa, sentia que meu estado de espíri-
to ainda não estava completamente em paz. Por que eu tinha
que passar por essa pequena provação? Por que não se pode fazer
com alegria meia dúzia de pequenas tarefas?
Meu erro foi ter deixado as circunstâncias serem mais impor-
tantes do que o meu estado de espírito. Agora, para reverter isso,
era preciso desbloquear minha mente. Para isso, era necessário
cumprir três etapas:

Primeira: Para eliminar o que impede a experiência de plenitude e paz, você precisa examinar o impedimento.

Para falar a verdade, eu não estava exatamente irritado por ter
interrompido meu trabalho para fazer os cachorros-quentes,
apenas me sentia um tanto chateado com a sensação de que esta-
va deixando de fazer coisas importantes e, claro, em conflito por
estar experimentando todos esses sentimentos.
Quando me aprofundei no que estava sentindo, encontrei o
pensamento que estava bloqueando tudo: "Eu não deveria ter de
fazer o que não quero fazer." Mas, logo me dei conta de que nem
mesmo eu acreditava nessa idéia. Faço coisas que não quero
fazer o tempo todo e, neste caso específico, eu queria fazer a
comida dos meus filhos e queria ler a proposta de John.
O.k. Etapa 1 resolvida.
Antes de entrar na etapa 2, quero destacar um aspecto essen-
cial dessa dinâmica. Percebi que, na tentativa de entender o que
eu realmente queria fazer, eu teria sabotado todo o processo de
desprendimento se houvesse desejado que os meus filhos ou a
situação mudassem.
Sempre que desejamos que as pessoas mudem ou que as cir-
cunstâncias nos sejam favoráveis, estamos, de alguma forma, nos
eximindo da responsabilidade por nosso estado mental. É como
se assumíssemos o papel de vítimas e ficássemos torcendo para
sermos poupados. Com certeza, existem vítimas de verdade,
mas, em geral, nos colocamos desnecessariamente neste papel. E
fazemos isso todos os dias.
Quando o objetivo é manter o senso de integridade, indepen-
dente do que acontecer à nossa volta, não nos tornamos vítimas.
Nada fica "fora de controle" se quisermos. Somos nós que deixa-
mos as pessoas e as situações serem quem são e o que são. Isto não quer dizer que aprovamos a maneira como se comportam e
também não significa que deixamos de nos proteger das pessoas
destrutivas.
Não sei se você já percebeu a freqüência com que os motoris-
tas se colocam em risco só para dar uma liçãozinha a um outro
motorista. É comum acelerarem para mostrar ao outro que não
é correto mudar de pista, ou grudarem atrás de quem está indo
muito devagar ou mesmo não deixarem espaço para aquele carro
que forçou a entrada bem na sua frente depois de uma ultrapas-
sagem perigosa.
Esses "justiceiros do trânsito" são exemplos clássicos de víti-
mas. Só ficam satisfeitos se os outros motoristas demonstrarem
que entenderam o recado. O problema é que pressionar os ou-
tros motoristas não muda seus corações. Apenas cria um confli-
to, que divide a mente e confunde as nossas emoções. Ninguém
em tempo algum se tornou mais sensível ou mais ponderado por
ser julgado, maltratado ou atemorizado.

Segunda: Para superar o bloqueio, você precisa ter muita clareza do que quer.

Esta etapa já soava mais difícil. Para começar, era preciso
descobrir a plenitude que existe dentro de cada um de nós. Que todos nós a possuímos é fato, mas trazê-la à tona é outra
história. Em geral, nos sentimos em paz quando estabelecemos
uma ligação amorosa com as outras pessoas. Mas, se a mente
arrisca um pensamento perturbador e se as duas primeiras eta-
pas desse processo não forem realizadas com sinceridade, corre-
se o risco de escorregar e cair novamente no velho estado men-
tal conflitante.
Para evitar esse risco é preciso agir com pureza de alma. Será
que sinceramente desejamos a paz aos que estão à nossa volta?
Será que sinceramente desejamos uma mente que conheça a
serenidade e que tenha uma profunda ligação com nosso par-
ceiro(a), com nossos filhos, pais, irmãos e amigos? Ou seria me-
lhor resguardar nosso coração e permanecer em posição de jul-
gar e de estar sempre com a razão?
Neste ponto, a terceira etapa pode se tornar um tanto com-
plicada, especialmente se surgir a tentação de controlar nossas
emoções mais destrutivas e impulsos mais sombrios. Esses sen-
timentos de fato exigem controle, mas a verdade é que não se
está em guerra com as circunstâncias ou comportamentos e pen-
samentos. E exatamente o contrário. Quando se está numa bata-
lha inútil, o melhor a fazer é abandonar o campo de batalha.
Uma boa ilustração de como isto funciona está na maneira
como sentimos o amor. Todos nós já vimos exemplos desas-
trosos de pessoas que decidem ter ou adotar um filho porque
desejam alguém que as ame. A razão pela qual não dá certo é que
a criança tem sua individualidade e, por isso, quase sempre age
de forma diferente da idealizada — assim começa a guerra.
Quem decide ter um cachorro ou um gato pela mesma razão
termina criando a própria infelicidade. Inevitavelmente, o ani-
mal de estimação decepcionará. Nos relacionamentos românticos,  todo mundo deseja encontrar alguém carinhoso, que com-
partilhe seus interesses, que satisfaça suas necessidades, que só
tenha olhos para você e o adore até a velhice. Infelizmente, isso
também não funciona, como demonstra a crescente taxa de
divórcios.
A razão pela qual um bicho traz felicidade a seu dono, um filho a
seus pais e uma mulher a seu marido, é que sentimos amor. Quando
não se ama, o mais dedicado bichinho, planta, filho ou amante não
tocará o nosso coração. Simplesmente não funciona assim.

Por milhares de anos, nos disseram que o amor é mara-
vilhoso. A maioria das pessoas acredita que ser amado
é uma sensação maravilhosa. E é. Mas, antes de você
conhecer "o amor", é preciso amar. Quando se ama, você
recebe mais do que a sensação de ser amado. 0 após-
tolo João disse: "Amai-vos uns aos outros, porque o
amor é Deus. E todos os que amam nasceram de Deus
e conhecem Deus. Os que não amam nada sabem de
Deus, pois Deus é amor."

Como é fato que, quando as pessoas amam, elas ficam com-
pletamente envolvidas na sensação do amor, há pais e mães que
se sentem felizes por ser amados por seus filhos problemáticos,
seus bichinhos complicados e seus parceiros obesos. Encontra-
mos casais muito idosos que, obviamente, não são mais atraentes
como eram, mas conseguem enxergar e sentir a beleza do amor.
Para que isto aconteça, basta acessar sua mente amorosa e tran-
qüila — não a mente ocupada e fragmentada.
Saiba que ninguém passa diretamente de uma abordagem con-
flitante para uma de pura unidade e paz. Para ser realista, fazer o melhor possível hoje já é ótimo. Basta um pequeno progresso
a cada dia, afinal, é o rumo que importa. Este é, sem dúvida, um
objetivo mais estimulante e mais produtivo do que tentar a reali-
zação total e plena.
A história a seguir mostra o que acontece quando usamos a
mente tranqüila ou a mente conflituosa.

Não Leve a Vida Tão a sérioWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu