Capítulo 53 - As manobras do tempo.

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ANNE

A brisa matinal lhe agitou os cabelos, e Anne suspirou longamente, sentindo a tristeza dos últimos dias desaparecer feito fumaça. Ela olhou encantada para a visão da cidade de Toronto que tinha da sacada do apartamento de Gilbert e sorriu, pensando  em suas últimas horas com ele.

Perfeição. Essa era a única palavra na qual conseguia pensar para descrever sua intensa relação com o pianista. Agora  ela entendia porque desde o começo sentira uma paixão avassaladora por ele, e porque em pouco tempo o que ela julgara ser um fogo de palha se transformara em um amor nunca sentido antes. 

Anne ainda não sabia mensurar quantas existências ela vivera esse amor, e tinha certeza de que se  perguntasse a Bianca, sua tia não lhe revelaria essa informação. No entanto, a ruivinha podia sentir que havia em seu histórico astral uma quantidade de tempo considerável que tornava possível que se conhecessem tão bem. 

Não era questão de pele ou química como chegara a pensar algumas vezes, tinha a ver com tudo o que haviam vivido em cada uma de  suas existências juntas, e como aprenderam a respeitar a individualidade um do outro, evoluindo espiritualmente nesse processo.

Tudo no universo tinha a ver com evolução, aceitação, capacidade de se perdoar e perdoar seu semelhante, entender que aos olhos do Criador não havia diferença entre uma pessoa e outra, e que fortunas e pobrezas estavam no mesmo patamar, porque não definiam ninguém, e que tudo que tínhamos em questões  materiais ao longo de nossa vida terrena nos era emprestado apenas para que pudéssemos atingir nossos objetivos nesse mundo, inclusive nossa aparência e cor de nossa pele.

Anne riu largamente o quanto fora resistente no passado quando confrontada por Diana sobre essas questões, e como agora, filosofando consigo mesma, ela conseguia aceitar tudo com uma naturalidade libertadora, e o melhor de toda aquela situação era que Gilbert pensava como ela.

A ruivinha precisara de vinte quatro anos de sua vida para compreender o que o destino e a vida tentara lhe mostrar,  e de repente todas as suas crenças antigas foram desconstruídas e ela conseguia enxergar tudo finalmente,  tão claro quanto água. Tudo se encaixava perfeitamente  como se estivesse em um grande tabuleiro de xadrez, e as peças fossem movidas de forma a conduzi-la ao final que queria e merecia ter. Ela estava onde deveria estar, vivendo a vida que pedira para viver ao lado do homem a quem sempre amara, e todos esses fatos a faziam compreender que Deus fizera Gilbert especialmente para ela,  e vice versa. 

Era mais  fácil entender e aceitar as coisas que haviam lhe acontecido desde sua tenra idade agora que sabia o sentido delas. Ela sempre se sentira perdida, sozinha e completamente excluída por conta de sua inteligência acima do normal. Na escola, ela tivera poucos amigos justamente, porque sua mente ágil incomodava outras pessoas que não tinham um cérebro privilegiado como o dela, como se ela fosse responsável por ter um dom que poucas pessoas tinham.

Mas agora, ela sabia que isso tudo tinha um propósito, e todos os seus talentos podiam ajudar  aqueles que não tinham voz própria e que precisavam dela para conseguir justiça para sua vida ou inspiração para sua arte.  E Anne gostava de acreditar que realmente podia fazer diferença na vida de muitas pessoas, pois era o que dava sentido  e valor para suas lutas diárias.

Ela sentiu mais uma vez a brisa a tocar e se sentiu limpa internamente. A poucos dias tudo o que conseguia enxergar era um futuro incerto, mas depois de tudo o que descobrira a respeito de si mesma e de Gilbert, ela começara a ver inúmeras possibilidades. Anne não sabia exatamente onde tudo aquilo a levaria,  mas se estivesse de mãos dadas com Gilbert nada mais importava.

Ela ouviu a porta do quarto se abrir, e passos chegarem até ela rapidamente. Olhando por cima do ombro, ela pôde finalmente constatar que era seu noivo. Ele fora para a academia duas horas antes  enquanto Anne ainda estava sonolenta e lhe desejara um bom treino matinal, o que de repente a fez pensar que deveria ser sempre assim, ambos juntos sem a preocupação de que algo poderia separá-los.

Anne with an E-  flames of the past- AUWhere stories live. Discover now