09 | o dia em questão

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G R A C E

A conversa com Lyra só serviu para me deixar mais apreensiva, naquele resto de tarde, e durante toda a noite, nada me fazia relaxar, pois eu sabia que no dia seguinte, eu me tornaria Grace Kingsley, e isso me apavorava.

E foi por isso, que pouco depois do sol raiar eu já estava de pé. Eu sabia que havia uma chave da casa pendurada em um gancho na cozinha de Grazielle, e tentando fazer o menor barulho possível, enquanto ela e seu marido ainda dormiam, felizmente no andar de cima, eu consegui pegar a chave e sair da casa dela, fazendo então uma caminhada longa de mais ou menos cinquenta minutos até os Alpes.

Passei por inúmeras construções, as ruas completamente vazias, pois todos naquele lugar ainda estavam dormindo.

Parei para respirar, quando cheguei perto da casa dele, estava um pouco suada mas não chegava a ter odor, dali eu tinha a visão de um terreno gigantesco e inocupado a uns cinquenta metros, onde um dia foi a lindíssima mansão dos pais de Damian Kingsley. E hoje, mais nada havia.

Respirei fundo, lembrando de Damian, de como ele me ajudou e não parecia mesmo ser capaz de algo assim... Mas logo afastei esses pensamentos, afinal as pessoas podem ser dissimuladas, e sequer humano ele é.

Então, me coloquei em frente a casa de Victor, que por desventura, também seria minha casa. Nunca tinha estado ali, era uma bela construção de pedras, um tanto rústica, não era tão grande como a da família McGreer, ou a dos próprios falecidos tios. Mas era demais pra mim. Mesmo.

Toquei a campainha que havia ali, esperei alguns minutos, e logo um homem de uniforme formal pareceu.

- Não fazemos caridade, comida para os pobres é na mansão dos McGreer! - O homem disse de nariz empinado. Ainda sem abrir o portão de ferro vazado.

- Não estou aqui para pedir comida. - Declarei. - Vim falar com Victor.

- O senhor Kingsl... - Ele começou mas foi interrompido.

- Edwin, você sabe onde estão minhas tintas? - Esse era Vincent Kingsley irmão de Victor. Parado na varanda de entrada.

Ele pareceu me reconhecer mesmo só nos conhecendo de vista, então desceu os degraus de pedra e veio em minha direção.

- Abra o portão Edwin, essa é Grace, a noiva de Victor. - Disse se aproximando.

- ESSA É A NOIVA? - Edwin soltou com uma expressão afetada. Eu entendia sua surpresa, Victor poderia escolher qualquer uma, da mais bela à mais rica, nem eu mesma entendia.

- É. - Vincent disse naquele tom juvenil impaciente enquanto Edwin abria o portão, passei por ele de cabeça baixa. Mas sorri pra Vincent em seguida.

Ele tinha por volta de seus dezessete anos, cabelos lisos, olhos azuis e pele clara, lembrava a Victor, apesar de ter o sorriso mais gentil, que me dirigia agora.

Nós viveríamos debaixo do mesmo teto, e sequer nos conhecíamos. Eu mal conhecia meu próprio noivo. Isso é tão errado!

- Senhor Kingsley está tomando o desjejum. Me siga e a levarei até a sala de jantar. - Edwin disse a mim e olhou para Vincent - Suas tintas estão no sótão, mas aviso que há poucas opções. - Terminou muito sério e polido, ele tinha um sotaque estranho, como se falasse com um pão entalado na garganta.

Não tardou Vincent voltar para dentro (correndo) e eu, a seguir Edwin.

Fiquei tão nervosa imaginando como pedir a Victor para adiar um casamento com tudo já organizado, para o entardecer deste mesmo dia, que mal reparei em sua casa.

O que queima através de nós | LIVRO IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora