30 | continuidades

2.9K 417 155
                                    

GRACE

Alguns dias depois...

Amanhã o navio partiria rumo a França, e havia boa parte de mim que estava ansiosa, mesmo que por um futuro incerto. Um futuro que teria uma viagem em alto mar, trem e uma chegada a Paris, tendo apenas as moedas de Victor, que eram quase a conta da viagem. E as pérolas... Pérolas que arranquei do meu vestido de noiva, que teriam de servir para as vender para algum joalheiro, e assim teria uns dias em uma pensão humilde, até conseguir um emprego, de babá, doméstica ou acompanhante para poder me sustentar.
Mas a maior parte de mim, queria poder ficar. Não no Vale das Cinzas.

Eu gostaria de poder viver na Floresta das Labaredas.

Era um pensamento cômodo, pois ali eu tinha segurança, um teto, uma cama e pessoas que me tratavam bem. Mas... Elas não precisavam de mim. Eu não era parte de tudo o que eles eram. E já fizeram demais por mim.

Nesses últimos dias, tudo correu, Chiara e Braeden se fecharam com Ramona além da porta bonita por boa parte do tempo, elas estavam fazendo pesquisas, e claro, tudo o que era necessário para fazer os amuletos. As flores dariam para fazer o total de três. Três flores. Três amuletos. Era muito pouco... Mas já era alguma coisa.

E então extrai, meu sangue, que dei de bom grado a elas, um pequeno corte de adaga na palma de minha mão, depositado em uma cristaleira, e agora continha um pequeno curativo em minha palma. Disseram ser quantidade o suficiente.

Foi a única vez que vi Ramona, e por mais que com o entrar e sair das bruxas além da porta, eu tentasse ver algo lá dentro, por um vislumbre talvez, tudo parecia muito escuro lá dentro.

Eu poderia ceder a minha curiosidade abundante e abrir apenas uma frestinha para sanar minha vontade, mas me impedi de fazer tal coisa. Eu já tinha sido inconveniente demais, e havia um limite. Eu ia apenas aceitar o que me era oferecido, sem incomodar meus bem feitores.

Já Damian, ele passava a maior parte do tempo fora, seja buscando algo que as bruxas precisassem no interior da floresta, ou simplesmente me evitando. Pelas poucas vezes que atravessei além do salgueiro, eu o vi entre as árvores, circulado por abernates. Pelo menos uns cinco, então recuei, quando ele pareceu me notar, e voltei por onde vinha. Afinal, esses grandões detestavam humanos e isso era um fato.

Depois de dois dias, eu tive total certeza do que acontecia: Damian me evitava.

Se eu estivesse em um cômodo da casa, ele logo sairia deste. Se eu estivesse na horta, ele estaria em casa...
E ele só ia se deitar depois que eu estava na cama, mas não me impedia de ouvir suas botas passando frente ao quarto onde eu estava, pelo corredor. Por vezes, quis levantar, e confronta-lo, perguntar se por acaso eu havia contraído uma doença contagiosa como lepra, pra ele se afugentar tanto.

Mas não o fiz. Pois se ele queria ficar longe, deixava tudo muito claro pra mim. Se é que ja não estava.

Céus! Eu sou tão ingênua!

Talvez fosse só a carência de afeto, esse apego a Damian por ele ter me estendido a mão, me salvado. Era o que eu ficava repetindo pra mim, como um alento.

Com as bruxas ocupadas eu assumi a cozinha e fazia o almoço e o jantar (inclusive cuidava da horta), e era o único momento que ficávamos no mesmo ambiente.

A parte satisfatória era que Chiara e Braeden disseram gostar da minha comida e Ramona, da qual as garotas levaram refeição até ela, mandou seu cumprimento por meu peixe assado com legumes frescos. Já Damian comia sem falar nada, mas ele sempre repetia (algumas vezes) então tomei como elogio. Talvez Grazielle estivesse errada e eu não seja ruim nisso!

O que queima através de nós | LIVRO IWhere stories live. Discover now