04 | sempre em perigo

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G R A C E

Depois que Grazielle se foi, meu pai almoçou, reclamou da comida que fiz com o resto dos mantimentos que tínhamos, e depois saiu.

Pela tarde voltou com muitos alimentos, com Ignacio que trabalha com Victor o ajudando a trazer. Sim, aparentemente ele tinha tido a coragem de pedi-lo isso, e eu estava tão envergonhada que não podia mensurar.

Eu nada falei, pois de nada adiantaria.

Apenas me senti vendida mais uma vez, e endividada com Victor.

A noite ele saiu, provavelmente para encontrar Victor na taberna, como marcaram... Provavelmente, para falarem do casamento, sem que eu, a maior envolvida, pudesse decidir qualquer coisa.

Mas sabendo que ele voltaria tarde da noite e muito bêbado, me pus para fora de casa.

Eu não tinha muito o que fazer, mas ficar sozinha o tempo todo naquela casa, sem ninguém pra conversar, no breu, apenas com as lamparinas, me deixava melancólica, eu só saía para caminhar um pouco e depois voltava, no máximo ia até Lyra. Nada além disso.

Lyra vivia com a mãe, que era viúva, a senhora Cassiopéia, e seu irmão mais velho, Linx. A família de constelações, assim eram conhecidos na Vila. E mesmo sendo simples, todos eram muito gentis e trabalhadores.

Quando eu era pequena sempre quis ter uma família como a dela: que se ama.

Comecei a descer pelas ruas, e meus planos então eram ir até a casa da Lyra a chamar para conversamos na praça (pois como a minha, sua casa era tão pequena que mal cabia os moradores desta), mas então eu a avistei de longe, na praça, (a mesma que estive com Victor) conversando com Eric Vallahar.

E eu, sabendo do quanto amiga tem interesse por ele, nunca iria interromper isso. Pois se ele enfim tinha a notado como ela queria, eu só tinha desejar que desse tudo certo entre eles. Alguém de nós tinha que se dar bem no amor, e ela merecia.

Sem ter para onde ir, aquela curiosidade perigosa correu dentro de mim, e eu, no escuro da noite ainda sendo agraciada pela lua cheia, me guiei, usando um vestido florido qualquer e minhas botas de cano curto e couro gasto, em minha caminhada não muito curta, até a ponte do rio das lavas.

Dali eu podia ver, a Floresta das Labaredas.

Eu repetia para mim, que não deveria fazer isso, pois era muito perigoso.

É perigoso, se eu passar da barreira. Pensei, andando mais a frente, podendo ver a barreira levemente acinzentada ao redor da floresta. Eu nunca soube realmente qual era a extensão da Floresta das Labaredas, mas a olho nu, não parecia muito grande, mas obviamente, grande o suficiente para se perder caso entrasse em sua escuridão.

Mas olhando pra barreira, pensei, como Damian há mais de três anos, passou por ela. Ele já era ou se tornou um Espírito de Fogo? Por que, quando foi exilado não virou cinzas?

Será que a magia dos seres de luz, quando se trata dessas criaturas só funcionava de dentro da Floresta, para fora?

Ou seja, quando entram, jamais podem sair?

Eu tinha tantas questões não respondidas. Os mais velhos e sábios do Vale das Cinzas estavam partindo aos poucos, enquanto aos mais jovens só restavam as dúvidas sobre o que realmente se esconde dentro dessa floresta.

Os que antes se achavam bravos, entraram nela, tiveram mortes terríveis pelas criaturas grandes, como aquela que me virou ponta cabeça. Os que voltaram, pois viram seu interior, dizem que não há nada, todas as árvores parecem iguais, em um terreno de lama densa e visão nebulosa, onde não havia meios de se prover ou cultivar.

O que queima através de nós | LIVRO IWhere stories live. Discover now