XVII. Você Fugiu do Maldito Inferno?

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Os dois não voltaram para a lanchonete. Eloísa ficou preocupada com Mel, dela ficar chateada por ter sido deixada sozinha ou algo do tipo, e mandou uma mensagem com uma desculpa qualquer. No momento, existia algo mais importante para resolver. Só precisou olhar por um instante os olhos dele para saber que o homem falava a verdade, para reconhecê-lo. Era mesmo aquele dos seus pesadelos e as dúvidas sobre esse fato eram as únicas que a mantinham firme. Naquele estante, toda a sua estrutura foi chacoalhada por coisas que não tinha controle ou ao menos conhecia. Suas pernas quase cederam, e ela teve vontade de correr mais uma vez. Ainda sentia o cheiro do líquido que estranhamente deixou seu nariz. Passou a mão no bolso de seu moletom cinza, buscando sua bombinha, e depois sugando-a em busca de ar para que pudesse continuar aquela conversa. O objeto azul escuro grudou em sua mão graças ao sangue entre seus dedos e a parte entre seus lábios e nariz permaneceu manchada sem que nada pudesse fazer além de passar a manga do moletom com mais força na região, mas de nada adiantar.

O que está acontecendo comigo?

Ele tocou-a pela terceira vez e ela se afastou com rapidez. Sua pele queimava como se brasa quente tivesse encostado onde ele colocava sua mão. Eles se encararam por poucos minutos enquanto Eloísa se recuperava e focava em obter oxigênio. Olhar para os olhos dele, estranhamente, a acalmava, mas lá enxergava mais do que a beleza deles, existia medo. Um pavor que nunca tinha visto daquela forma nem quando um de seus irmãos sofreu um acidente com a babá e sua mãe desmaiou ao saber. Era um terror genuíno e muito mais profundo do que já havia presenciado na vida.

— Vai me falar o que está acontecendo? — exigiu saber.

Ela estava mais calma. Seu corpo tremia menos e Eloísa respirava com mais facilidade depois de duas puxadas em sua bombinha. Sentou-se em um dos bancos de pedra na pracinha atrás da lanchonete e ele estava bem ao seu lado, em pé.

— Você acredita em Deus? — Quis saber Lorenzo, sentando-se.

— Não — respondeu, séria. — Você é do tipo que rodeia por horas até responder algo?

— Você provavelmente não vai acreditar no que vou te contar se não tem fé... — parecia desesperançado — ou pode simplesmente ignorar, mas preciso que me escute antes de falar, está bem? — suplicou.

— Nem lembro seu nome — disse, olhando para o lado, desconfortável.

Por mais que tentasse não transparecer, tinha medo do quão perto ele estava

— Enzo — respirou fundo — eu me chamo Lorenzo. Escuta...

Eloísa sentiu seu celular vibrar, mas não olhou. Esperava que ele começasse a explicar.

— Quando morremos... — começou. — Não acaba. Na verdade, é apenas o começo — suspirou. — Nós vamos para o inferno.

Enzo falava aquilo com calma e seriedade. Ela fechou os olhos, entendendo que aquilo iria muito longe. E, para Eloísa, parecia que ele tinha começado pelo meio da história. Suas mãos suavam e a garota as apertava na calça jeans azul. Aquelas palavras lhe causavam arrepios.

— Inferno? — interrompeu — Tipo... igual na bíblia?

— Pensei que não acreditasse em Deus — respondeu ele.

Ela respirou fundo e engoliu em seco. Sentia seu corpo mole como se estivesse de ressaca e um enjoo causado pelo medo.

— Eu não acredito — sussurro. — Mas, estudei alguns anos em uma escola católica no fundamental, era a melhor da cidade — justificou e passou as mãos com mais força na calça. Ainda encarava Lorenzo, mas ele se manteve calado. — Como na bíblia? — Insistiu, mas não queria saber de verdade.

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Where stories live. Discover now