XIII. Não Tão Resistente Assim

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Música indicada: All I Want (Kodaline)

Lorenzo estava decidido a não ir àquela festa. Depois de encontrar Paulo nos corredores, onde ficava o quarto que dividia com garotos desconhecidos, quis dar um tiro na própria cabeça. Achava o veterano uma espécie exótica de Ken humano, metido a galã de filmes americanos, um porre. Depois de encontrá-lo pelo campus na manhã anterior, ainda havia recebido sua companhia não solicitada até a secretaria antes das dez no outro dia, quando foi se informar sobre o mau funcionamento do site da Universidade; e depois Paulo ainda bateu em sua porta para entregar o informe sobre a festa. Bem, o tiro não funcionaria e ele sabia que precisava se entrosar se quisesse entender o enigma de Eloísa. Para descobrir o que ela era e como iria ajudar, Enzo precisava de mais do que aquele sentimento assustador que carregava no peito só de pensar em se aproximar de novo. Tinha noção de que não podia se envolver demais com aquelas pessoas, se importar e misturar vidas humanas ao sobrenatural gerava muitas mortes e sabia disso.

Não conseguia parar de pensar naquele encontro. A moça de cabelos louros e ondulados o tinha encarado de forma tão incisiva. Além de ter seus pesadelos invadidos por ela, vê-la pessoalmente naquela manhã foi uma das piores sensações que já sentiu desde que voltou para a terra. A garota parecia ir além dos seus olhos físicos. Ele poderia jurar que enxergava sua alma condenada, lia seus pensamentos.

Balançou a cabeça negativamente com velocidade e se sentou na cama, tentando mudar seus pensamentos, mas não funcionava. Seu único impulso quando a viu foi correr, correu muito, até sentir seu corpo ficar quente e o coração medroso fosse a parte menos pulsante do corpo.

Era para ser um caminho fácil obrigá-la a contar o que sabia, mas a verdade é que ele não tinha ideia com quem ou com o que estava lidando. Ela entrou nos meus sonhos. O homem tinha medo do ser sobrenatural desconhecido que ela era para conseguir fazer algo assim. Mas, sabia que devia ser poderosa e isso poderia significar que o mandaria para o inferno tão rápido quanto um demônio.

Seu coração voltou a acelerar só de lembrar dela. Ele não conseguia explicar. Ela sabe que sou um fugitivo? Mas então por que parecia tão assustada no sonho? Eloísa não era um demônio, muito menos um outro fugitivo, Enzo sentiria se fosse. A energia dela era diferente e algo que nunca havia experimentado igual. Sentia uma mistura de prazer e repulsa. Não sabia qual era mais apavorante.

E o pior era que por mais que seu instinto de sobrevivência o avisasse que era perigoso, ele tinha a necessidade de encontrá-la novamente. Precisava descobrir o que era aquela energia que fazia todo o seu corpo tremer e, o mais importante, como o ajudaria a salvar Teodora. A festa era uma grande oportunidade para um reencontro.

Estava sentado em sua cama de solteiro de fronhas azuis com seus pés descalços, pensando nos olhos intensos e castanhos da garota. Um de seus colegas de quarto estava na cama ao lado e seus fones tocavam alto alguma banda punk. Enzo estava ansioso demais para ficar parado.

— Você vem? — Questionou.

O rapaz de cabelos castanhos que caíam nos olhos cheios de orelhas retirou os fones e, quando Enzo repetiu, Rafael balançou a cabeça negativamente.

Ele pôs suas botas de cano longo pretas, pegou sua jaqueta azul marinho e atravessou a porta de seu quarto, batendo-a. Passava das dez da noite quando decidiu ir àquela confraternização, regada a jovens adultos e álcool de péssima qualidade, que acontecia a menos de cem metros do seu quarto. Ele bateu na porta bege e logo o rapaz loiro que ele considerava um boneco a abriu.

— E aí, cara? — Cumprimentou, passando o copo de plástico verde fluorescente com o símbolo da universidade de uma mão para a outra e estendendo a direita até o fugitivo. — Que bom que tu veio, entra aí! — O sorriso, maldito sorriso branco que fazia Enzo se arrepender de ter ido.

O garoto lhe estendeu um copo descartável branco com alguma bebida alcoólica azul dentro um segundo depois que Enzo entrou e observou a confusão de pessoas lá dentro. O quarto era pequeno demais para uma festa. Caminhou até uma das caixinhas de som que tocavam eletrônica enquanto algumas luzes coloridas piscavam na escuridão e os trinta universitários se esbarravam para dançar. O homem se encostou e bebeu um gole do líquido desconhecido no copo. Era Vodka com sabor, da mais vagabunda, dessas que lhe cortam mais a garganta do que fogo. Ele não conteve a careta, mas bebeu. Você é rico, nem uma bebida decente?

Desde que Teodora se fora, Enzo se questionava se não seria mais fácil desistir e apenas ficar bêbado até que fosse pego também. Odiava-se por ser péssimo em desistir, não podia voltar para o inferno. Odiava também aquele tipo de festa, era mórbido estar em meio a pessoas novas demais e que não sabiam que iriam queimar no inferno ao morrer. E odiava, mais do que tudo, que Teodora não fosse atender seu telefone para que pudesse reclamar em voz alta. Deu mais um gole na bebida, respirou fundo e sorriu sem querer. Ela amava as futilidades humanas, provavelmente estaria dançando entre eles como se fosse uma caloura. A mais bonita, com certeza.

Após meia hora de festa, não existia um rumo diferente. Enzo se viu entre os jovens que tentavam dançar no espaço minúsculo, buscava esquecer a imagem de Teodora sendo levada que sempre martelava em sua cabeça e esmagava seu coração. Decidiu fazer valer a pena, como ela sempre o aconselhava.

Era estranho... Enzo costumava ser mais resistente ao álcool. Mas, não se importava, não naquele momento, enquanto o suor deixava sua testa e se lembrava na festa onde dançou com ela em 1927, movidos a muito vinho, cocaína e falta de etiqueta na França. Lembrava do cabelo pintado de preto cortado acima das orelhas, mas com as raízes ficando vermelhas, voando debaixo daquele céu estrelado, iluminado apenas pela fogueira enquanto o vento levava seu vestido verde claro, parecia um anjo. Certamente aquele foi o dia mais feliz da vida dele. De repente parou, ainda era empurrado pelos outros da festa, mas não se movia mais com eles.

Quando a porta abriu, de lá entrou uma luz que agora ele considerava forte e uma menina de cabelos castanhos e escuros entrou acompanhada de uma outra. Elas sorriam a todo instante. Lorenzo ficou alguns minutos observando as meninas antes de perceber que era ela. Era Eloísa.

Enzo tentou passar pelas dezenas de pessoas no espaço apertado, mas não conseguia. As meninas caminharam até as camas, que estavam todas juntas em um canto apertado, e se sentaram. Quando conseguiu andar para fora daquela bagunça, ele chegou até elas. Não sabia o que dizer, mas precisava. Elas possuíam, cada uma, um copo de vodka em mãos igual ao dele e o olharam confusas. Os cabelos acima das orelhas e as bochechas grandes demais o fizeram dar dois passos para trás.

Não era ela.

Seu estômago se revirou e ele o pressionou com as mãos, não se sentia bem. Iria vomitar e agradeceu por já ter passado pela multidão quando caminhou esbarrando em algumas pessoas até a porta do quarto, encostando sua testa na parede do corredor logo em seguida, estava enjoado demais. O que tinha naquela bebida certamente não era só vodka para conseguir arrebatar Lorenzo daquela forma. Uma mão pousou em suas costas.

— Você está bem? — a voz feminina e calma questionou, apertando seu ombro.

Ele continuou com a cabeça baixa, estava prestes a vomitar e não conseguia abrir os olhos sem que visse tudo girando demais. Não queria cair.

— Meu Deus... — continuou a garota — El, segura minha bolsa — pediu.

FUGITIVOS DO INFERNO 01 - Ciclo Da Era [COMPLETO]Where stories live. Discover now